Celebrar o Natal (O Poço 201212)

Parece que este será um Natal um pouco fora do comum. A palavra crise foi a mais dita e escrita ao longo deste ano, todos estamos com receio do ano que vem e aqueles que ainda veem sobrar algum dinheiro ao fim do mês preocupam-se mais em poupar que em gastar o pouco disponível em coisas que farão parte do baú das recordações antes ainda do Ano Novo.

Qualquer pessoa de bom senso poderá afirmar que esta alteração de comportamentos, ainda que seja uma consequência de uma sociedade que persiste em viver apoiada no medo do futuro, não será de todo negativa. Principalmente se as dificuldades nos derem a capacidade de redirecionar o nosso olhar para aquilo que é verdadeiramente importante. E, no Natal como na vida, o importante é o Menino, que vem ao nosso encontro.


Habituados que estamos às efémeras sensações provocadas pela espuma dos dias, chegamos a um ponto em que nos deixamos interpelar com maior facilidade pela “notícia” que, ao que parece, o burro e a vaca não estiveram na gruta com Jesus, que com o facto de o nosso Deus se ter feito de tal forma pequenino que quis precisar de se refugiar nos nossos cuidados. Nós, que vivemos na era da informação, que andamos atentos a tudo o que se passa à nossa volta e do outro lado do mundo, perdemos a capacidade de nos espantarmos com aquilo que é verdadeiramente significativo para a nossa vida: Deus acampou no meio de nós.

Mesmo para aqueles que não têm fé, o nascimento de Jesus não é irrelevante. De facto, todos os valores que qualquer pessoa razoável defende, particularmente no mundo ocidental, enraízam nesse acontecimento de absoluta simplicidade e despojamento. Por muita irritação que provoque a todos aqueles que prefeririam que assim não tivesse sido, se  Deus não Se tivesse feito Menino, haveria palavras cujo significado permaneceria perfeitamente vazio de sentido. Palavras como solidariedade, dignidade, humildade, que são em si muito mais que meras palavras,  espelham ações efetivas, atitudes quotidianas, opções de vida, nas comunidades cristãs espalhadas pelo mundo. De uma forma que escapa ao entendimento de muitos, aqueles que as praticam preferem ficar no anonimato, permanecer fora das luzes da ribalta, agir no silêncio do compromisso com os outros, acolhendo-os nas suas vidas como os pastores acolheram o Menino: na simplicidade do seu trabalho, na disponibilidade dos seus corações.

Podemos, e devemos, por isso, colocar uma questão que nos é tão incómoda: como é que chegamos aqui? Como é que nós, cristãos, permitimos que a celebração do nascimento do Menino Deus se transformasse numa correria desenfreada que tem como fim último comprar coisas? Como pudemos colaborar ativamente para se desvirtuar, como se foi desvirtuando, um acontecimento que nos deveria levar a agir em sentido contrário, a olhar para os mais humildes, a estar com os mais indefesos? Como é que nós, que noutros dias até conseguimos escapar à lógica consumista em nome de uma sobriedade de vida que nos é pedida, não conseguimos resistir à tentação de fazermos exatamente o que todos fazem?

Ao longo deste ano, em conversa com várias crianças e jovens, apercebi-me que muitos deles, apesar de pertencerem a famílias católicas, não tinham presépio em casa. Seja porque dá muito trabalho, seja porque não passam lá muito tempo, seja porque a Árvore e o Pai Natal ocuparam o seu espaço, o que é um facto é que o Menino Jesus, nesses lares, continua com os seus pais à procura de um espaço onde possa ficar. De porta em porta, de coração em coração, aquela Família de Nazaré continua a não encontrar um lugar, ainda que singelo, em casas recheadas de ausências.

Alguns dirão que se trata apenas de uma tradição, que não passarão de meros bonecos vazios de significado. Que o que importa verdadeiramente são as ações. Esquecem contudo que, para além das ações, nós vivemos também de sinais, de tradições, de símbolos que nos identificam e com os quais nos identificamos. Que esses sinais, essas tradições e esses símbolos fazem parte da nossa herança cultural e religiosa que importa preservar e transmitir àqueles que verdadeiramente amamos pois resultam da escolha que Deus fez de vir ao nosso encontro. E que, se não os assumirmos como nossos, rapidamente serão substituídos por outros sem sentido, sem significado, como substituímos o Presépio pelo Pai Natal porque simplesmente não conseguimos viver sem símbolos, sem tradições… sem sinais!

Na nossa Paróquia recomeçamos, nos últimos anos, a celebrar convenientemente o Natal. Não apenas nas nossas casas, com as nossas famílias - que isso já o fazíamos, e muito bem - mas em comunidade, saindo do conforto dos nossos lares, do aconchego dos nossos e enfrentando o frio noturno para rumarmos à nossa Igreja Matriz. É uma Missa do Galo sempre muito bela, muito festiva, muito alegre, que nos ajuda a reconhecermo-nos uns nos outros e a formarmos Igreja. Para os que não o podem fazer – este tempo pode ser implacável para com os mais novinhos e os mais idosos – existe sempre uma oração para se fazer, em família, antes do início da Ceia.

Quantos de nós o fazemos? Quantos de nós, no meio daquela feliz azáfama familiar ou dolorosa solidão (sim, há quem passe o Natal na maior solidão!), nos lembramos que é o Seu nascimento que celebramos? Quantos de nós paramos para rezar antes daquela refeição?  São pequenos sinais, pequenas celebrações, pequenos gestos, insignificantes aos olhos de muitos, nem sempre bem entendidos por tantos outros. Mas são um testemunho vivo e importante que, tal como o fizeram os pastores e os reis, tal como o fizeram os animais que estavam no estábulo, tal como o fizeram tantos homens e mulheres antes de nós e outros continuam a fazer, também nós queremos acolher Jesus no meio de nós.

E Ele não veio senão para ser acolhido por nós para que possamos, nós próprios, ser um dia acolhidos pelo Pai.

Feliz Natal

Zé Armando Pinho

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