"Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua terra." Lc 4

Volta e meia há frases, sentimentos, percepções, que acampam cá por dentro, que se instalam por algum tempo e persistem na procura de uma resposta, fazendo o seu próprio percurso, quase autonomamente, indiferente à minha própria vontade. Não são coisa passageira nem consequência de vazio mas, pelo contrário, são ânsia de caminho, consciência profunda de uma procura incessante de perceber qual o meu lugar ou melhor, para mim que tenho fé, de tentar perceber o que o Pai me chama a ser.

Há já algum tempo que desisti de ser profeta na minha terra. Com muita dificuldade, confesso. Nunca é fácil para mim não partilhar a alegria que sinto quando finalmente descubro o sentido de uma leitura, de uma passagem bíblica, de um qualquer aspecto da liturgia que demorei a perceber. Não é fácil resistir à tentação de espalhar aos quatro ventos - a começar, naturalmente, lá por casa - aquilo que vou descobrindo e que vai dando cada vez mais sentido à minha fé, à minha vida. Mas é incomensuravelmente mais difícil fazê-lo sem que me olhem com a mesma estranheza com que me olhariam se tivesse chegado de Marte. E , invariavelmente, a mensagem não passa. E, pior ainda, a sua credibilidade vai-se perdendo.


Nos primeiros tempos do meu curso partilhava tudo com tal entusiasmo que nem me apercebia que ninguém ligava puto ao que dizia. Fui-me apercebendo, lentamente - eu às vezes sou mesmo lento a perceber as coisas - que o melhor mesmo era ir resistindo a essa ânsia de partilha. E fui calando. O castiço é que alguns anos mais tarde a minha mais-que-tudo fez um curso de catequese e vinha sempre toda entusiasmada contar-me o que aprendera, como se fosse para mim uma grande novidade, sem nunca se ter apercebido que era justamente aquilo que eu tentara partilhar quando eu próprio o tinha descoberto. Quando tinha sido eu a dizê-lo era irrelevante; quando foi outra pessoa, era significativo.

O curioso é que eu próprio tendo a fazer a mesma coisa. Uma das minhas filhas está no quarto ano de medicina e sabemos todos que vai levar muito tempo lá em casa até passarmos da filha para a médica. Sempre que ela falar vamos recordar as suas asneiras, os seus defeitos, as suas dificuldades, que servirão sempre como travão para a credibilidade que ela, como médica, certamente terá. Tenho a certeza que será uma excelente médica fora de casa - tem a sabedoria a sensibilidade e o bom senso para isso - mas em casa terá sempre o lastro de ser minha filha.

É triste, não é?

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