20120926


Descobri hoje este fantástico Gus.

Para além da realidade pura e dura, poucas coisas me abanam como uma BD ou um cartoon bem feito. Desde o eterno Major Alvega - que este ano revi numa feira do livro usado no Algarve - ao sempre presente Calvin - que tanto me ajudou a entender os meus filhos - até à crítica mordaz que agora que acompanha todos os dias na minha leitura dos blogues, fascina-me a arte e o engenho de abanar consciências com meia dúzia de pinceladas. Calculo que deva dar muito trabalho, mas mistura-se a leveza de um desenho com a profundidade do incómodo. E presta-se, naturalmente, a muitas leituras.

Como acontece com quase tudo em mim, olho para estes desenhos e pergunto-me como os poderei utilizar nas minhas catequeses, nos meus Dias de Reflexão. São muito ricos, alguns controversos, atraem muito a atenção e são, sempre, um bom ponto de partida para uma qualquer discussão. 

Sei que hoje o Gus vai andar cá por dentro a moer-me a cabeça. 

Já ganhei o dia ;-)

20120925


Hoje tive a prova que vivemos tempos perigosos. Pela primeira vez fui bombardeado com uma teoria da conspiração, uma visão apocalíptica do futuro, que mistura terceira guerra mundial com a vinda de Jesus sobre as nuvens para reinar em todo o seu esplendor. Não estou a brincar. Foi assim mesmo. E o autor dessa visão nem sequer é um daqueles sem abrigo meios marados que vemos em filmes americanos: pelo contrário, é um senhor normal, de meia idade,  dotado de uma base cultural sólida, pelo que pude perceber com fé,  mas que, aparentemente, se sente confuso com toda esta situação.

Eu também não ando propriamente descansado. São muitos os "ismos" que vão renascendo das cinzas ressuscitando velhos fantasmas e inquietando espíritos. Todas estas brincadeiras de comparar ditaduras e fome a sério - como a que os nossos pais viveram - com a situação actual em que ninguém quer abdicar de privilégios pode, um dia destes, dar para o torto. E o mal é que ninguém liga aos pequenos sinais de verdadeiro desespero daqueles que nunca tiveram os privilégios, e que são os sofredores do silêncio, quanto mais não seja porque ninguém os ouve. Não me preocupam nada aqueles que vão para as manifestações com a mesma leveza com que vão para os bares ou cafés - dão dois berros, eventualmente atiram algumas garrafas e acham que têm uma grande história para contar aos amigos - mas aqueles cujo desespero os leva a cometer verdadeiras loucuras. E conheço pessoalmente muitos a viver estes dramas.

Eu acredito sempre no futuro. Mesmo quando nada o faz prever, mesmo quando tudo aparenta ir em sentido contrário, acredito muito nos pequenos gestos e atitudes que vão dando sentido à nossa vida. Mas por outro lado, nunca tive grandes ilusões. São tempos perigosos, estes. E ou mudamos o rumo dos acontecimentos, ou a coisa pode ficar preta.

20120919


Não sou muito dado a coincidências, que para mim são, normalmente, pequenos sinais. De Deus, naturalmente! Por isso, acredito que deve ter u significado qualquer o facto de eu ter lido apenas um livro aos meus filhos - creio que a todos - durante toda a sua infância: O Principezinho. Pareceu-me uma boa forma de os introduzir na vida vivida, nas pequenas desilusões e alegrias, na procura do autêntico - ainda que muitas vezes ridicularizado - no olhar atento ao que nos rodeia. Não fiz grandes palestras filosóficas - ainda tentei mas eles não mo permitiam - e deixei aquilo a pairar neles. O que é facto é que, ainda hoje, conseguimos identificar todos algumas das situações do livro que têm correspondência na vida e isso ajuda-nos a sintonizar uns com os outros.

Uma das partes do livro que mais me acompanha neste percurso é a do cativar. São muitas as vezes em que, tal como a raposa avisou, me visto interiormente para a visita de alguém que prometeu vir. Apesar de muitas vezes essa espera ser em vão - todos vamos tendo vidas muito ocupadas, Graças a Deus! - sinto sempre que valeu a pena. Só a expectativa de estar com quem gosto, só o antecipar o prazer de uma boa conversa, permite-me revisitar quem gosto e voltar a saborear o passado. Mesmo não estando juntos por causa das vicissitudes da vida, vamos estando juntos naquela parte da vida que os cientistas - prisioneiros do temo e do espaço- fingem não existir mas que é aquela que, justamente, nos define enquanto pessoas: a alma, o espírito, o "cá por dentro".

E quando alguém habita o "cá por dentro", não há longe nem distâncias, como dizia Bach (o Richard, não o Johann, claro!)

20120905


Sou católico, acredito na ressurreição mas não na reencarnação. Porém, justamente porque sou cristão, acredito que, se tivermos sorte, nos deixarem e, principalmente, se tivermos quem nos ame o suficiente para nos ajudar, podemos renascer muitas vezes.

Faz hoje sete anos foi justamente isso que me aconteceu. Vivera alguns ofuscado pela luz, como uma traça, protagonizando um filme que não era o meu, num clamoroso erro de casting que quase acabava com tudo. Assumira muitos papéis, pintara muitas cores - nem sempre as mais claras e bonitas - tentando por todos os meios que a verdade, aquela que nos confronta do outro lado do espelho, tardasse a chegar.

Faz hoje, precisamente, sete anos, que me foi permitido recomeçar. Mais uma vez. Como se não tivesse havido ontem, como se tivesse feito um reset, como se o passado fosse apenas uma história mal amanhada. Apesar de o ser apenas fora de mim, apesar de todos os dias eu fazer questão de não me esquecer do que (não) sou capaz, foi muito importante sentir-me acolhido, acarinhado e levado a ultrapassar-me.

Não acredito na reencarnação mas acredito muito na capacidade quase infinita de cada um se obrigar a refazer. Mas acredito também que ninguém o conseguirá sozinho. Porque naqueles breves momentos em que nos olhamos ao espelho e nos confrontamos com a nossa própria verdade, se não tivermos quem acredite em nós e nos estenda a mão, seremos os primeiros a duvidar se tanto esforço vale a pena.

20120903


"Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua terra." Lc 4

Volta e meia há frases, sentimentos, percepções, que acampam cá por dentro, que se instalam por algum tempo e persistem na procura de uma resposta, fazendo o seu próprio percurso, quase autonomamente, indiferente à minha própria vontade. Não são coisa passageira nem consequência de vazio mas, pelo contrário, são ânsia de caminho, consciência profunda de uma procura incessante de perceber qual o meu lugar ou melhor, para mim que tenho fé, de tentar perceber o que o Pai me chama a ser.

Há já algum tempo que desisti de ser profeta na minha terra. Com muita dificuldade, confesso. Nunca é fácil para mim não partilhar a alegria que sinto quando finalmente descubro o sentido de uma leitura, de uma passagem bíblica, de um qualquer aspecto da liturgia que demorei a perceber. Não é fácil resistir à tentação de espalhar aos quatro ventos - a começar, naturalmente, lá por casa - aquilo que vou descobrindo e que vai dando cada vez mais sentido à minha fé, à minha vida. Mas é incomensuravelmente mais difícil fazê-lo sem que me olhem com a mesma estranheza com que me olhariam se tivesse chegado de Marte. E , invariavelmente, a mensagem não passa. E, pior ainda, a sua credibilidade vai-se perdendo.


Nos primeiros tempos do meu curso partilhava tudo com tal entusiasmo que nem me apercebia que ninguém ligava puto ao que dizia. Fui-me apercebendo, lentamente - eu às vezes sou mesmo lento a perceber as coisas - que o melhor mesmo era ir resistindo a essa ânsia de partilha. E fui calando. O castiço é que alguns anos mais tarde a minha mais-que-tudo fez um curso de catequese e vinha sempre toda entusiasmada contar-me o que aprendera, como se fosse para mim uma grande novidade, sem nunca se ter apercebido que era justamente aquilo que eu tentara partilhar quando eu próprio o tinha descoberto. Quando tinha sido eu a dizê-lo era irrelevante; quando foi outra pessoa, era significativo.

O curioso é que eu próprio tendo a fazer a mesma coisa. Uma das minhas filhas está no quarto ano de medicina e sabemos todos que vai levar muito tempo lá em casa até passarmos da filha para a médica. Sempre que ela falar vamos recordar as suas asneiras, os seus defeitos, as suas dificuldades, que servirão sempre como travão para a credibilidade que ela, como médica, certamente terá. Tenho a certeza que será uma excelente médica fora de casa - tem a sabedoria a sensibilidade e o bom senso para isso - mas em casa terá sempre o lastro de ser minha filha.

É triste, não é?

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...