Tivemos, hoje, uma daquelas nossas deliciosas conversas que, mais uma vez, terminaram com o (para mim já costumeiro) "és um bocado estranho!"

Sorrio. Não o considero nem um insulto nem um elogio. Sim, sou estranho. Desde que me conheço que encaixo em todo o lado... e em lado nenhum. Desde miúdo que sou visto pelos meus como sendo um bocado estranho: sonhador, com a cabeça na lua, como se não pertencesse a este mundo, como se não estivesse nem aí. Depois, no bairro, continuei a ser estranho para muitos: alinhava nas brincadeiras mas não era muito asneirento, não me metia em confusões, nunca quis nada com drogas, nem tabaco, nem bebidas, o que, convenhamos, era muito estranho para aqueles que constituíam o meu pequeno mundo. Depois, na capela, continuei a ser estranho, fui-o no JUP e, mais tarde voltei a sê-lo no RH+. Que apesar de tudo foram os sítios onde pude ir sendo mais eu, à medida que me ia descobrindo e construindo. Sem nunca deixar de privilegiar o meu espaço. os meus momentos e, mais importante, a minha própria visão da realidade. Sempre vagueante, sempre pouco exata, sempre com poucas ou nenhumas certezas.

Acredito sempre que gaguejar é muito importante para mim. Permitiu-me aceitar a inevitabilidade da diferença e, ainda mais importante, pensar que, face à gaguez, todas as outras diferenças eram perfeitamente secundárias. Permitiu-me aprender a lidar, com relativa facilidade, com as opiniões alheias, às vezes mal intencionadas, com os meus próprios limites, aceitando-os com a naturalidade possível. E, no fim de contas, liquidou à partida aquele deseja que muitos têm de se acizentarem, de se tornarem invisíveis, iguaizinhos àqueles que admiram. Caladinho até poderia passar despercebido, mas cedo compreendi que mal abrisse a boca garantia a atenção dos que me rodeavam. Para o bem e para o mal.

Sim, sou estranho, gosto de coisas muito estranhas, demasiado pequenas para a maioria dos que me rodeiam, mas que preenchem os meus dias. Levei algum tempo a perceber-me, a descobrir-me, a encaixar-me nos meus limites. Creio que não levei tanto a tentar ser feliz, a tentar descobrir nesses mesmos limites motivos de verdadeira felicidade. Em tempos tive um cão que para se deitar fazia meia dúzia de círculos em torno de si mesmo e depois lá se deitava, em paz. Por vezes acho-me parecido com ele: também eu circulei em torno de mim mesmo até encontrar o meu lugar.
Começo a sentir que estou perto.
Cada vez mais estranho.
Cada vez mais em paz comigo mesmo.

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