Regras para viver na Cúria (do Vaticano)

O consultor de uma congregação organizou os cinco «não» para se sobreviver na Cúria:


Não penses.
Se pensas, não fales.
Se pensas e falas, não escrevas.
Se pensas e falas e escreves, não assines como teu tome.
Se pensas e falas e escreves e assinas como teu nome, não fiques surpreendido.


Lido em Thomas J. Reese, "No Interior do Vaticano", Publicações Europa-América, p. 197 (Thomas J. Reese é padre jesuíta).


Ontem, ao pequeno almoço, o tema de conversa à mesa foi a minha capacidade, ou melhor, a falta dela, de chamar os meus filhos à atenção acerca de determinados comportamentos. Ou seja, na sua perspetiva - e não só - eu não teria "moral" nenhuma para os chamar à atenção porque eu próprio não teria um comportamento exemplar. 

Esta é uma guerra de muitos anos. Solitária, diga-se de passagem. Eu sei que é suposto dar o exemplo, eu sei que aquilo que pretendo comunicar terá muito maior eficácia se for no seguimento do meu exemplo. Eu sei isso tudo. Mas também sei uma outra coisa ainda mais fundamental e frequentemente desvalorizada: eu não sou a medida de nada para ninguém. Se eu chamasse a atenção aos meus filhos apenas daquilo que eu fazia bem, se estivesse agarrado à "moral" do meu exemplo, então estaria a confinar os meus filhos aos meus próprios limites. E essa é uma daquelas coisas que nunca pode acontecer. Um exemplo: o meu pai fuma desde que o conheço. Contudo, nunca me passou pela cabeça que tivesse a sua permissão para fumar - ainda que, neste caso concreto, não faça a mínima ideia se isso aconteceria. Porquê? Porque fumar é mau e nenhum pai deve permitir que um seu filho faça algo que é mau. 

A educação, a formação, o passado condicionante que um adulto teve não deve, não pode coibir esse adulto de ser um educador. Claro que o exemplo tem um outro peso, tem uma outra eficácia, mas em cada história de vida há condicionantes que não devem nunca ser transportadas para aqueles a quem temos que educar. E reafirmo-o: se assim não fosse estaria a limitar os meus filhos aos meus próprios limites, estaria a repetir neles as minhas próprias condicionantes quando os deveria fazer chegar mais além. E tal como dizia ontem a um dos meus filhos durante a discussão, nada me deixa mais genuinamente feliz e orgulhoso que saber que os meus filhos são, já hoje, muito mais que aquilo que eu alguma vez poderei ser. 

Coloca-se então a seguinte questão: se eu não posso ser o limite para os meus filhos, se não os posso formatar àquilo que eu sou, quem é então o seu limite? Com quem os faço medir? Com quem tento que eles se identifiquem? Para mim essa questão tem uma resposta evidente: Jesus. Porque eu quero o melhor para os meus filhos, apenas Ele pode ser a sua medida, apenas Ele pode ser a minha própria medida, sabendo todos nós, no entanto, que ficaremos aquém do desejado, o que, diga-se de passagem, também não nos faz mal nenhum. 

Esta nossa (tentativa de) configuração com Jesus é válida para toda a gente e, particularmente, para toda a Igreja, que somos nós. Se tivermos como exemplo de vida um padre, um bispo, um papa, se os endeusarmos, se tivermos os seus limites como sendo os nossos próprios limites, para além de estarmos longe do que deve ser a Igreja, estaremos abertos a toda e qualquer decepção. Porque também há maus padres, maus bispos e maus papas. Mas eu não pertenço à Igreja por causa de nenhum padre, de nenhum bispo nem de nenhum papa. Eu pertenço à Igreja de Jesus Cristo, que é o meu guia, o meu farol, Aquele com quem me meço todos os dias e me reabilita todos os dias e de quem todos os dias tento ser, infrutiferamente, testemunho.

Outra das questões que apareceram na discussão foi justamente a do testemunho e a responsabilidade que ele acarreta, nomeadamente na Igreja. Porque sou contra a ideia que a importância do testemunho do papa seja maior que a minha própria. Tal como eu vejo as coisas, para aqueles a quem tenho a responsabilidade de educar - seja em casa, seja no trabalho, na catequese ou em qualquer outra situação quotidiana, o meu testemunho é tão ou mais importante que o do papa. Tal como eu disse ao meu filho, o seu testemunho de cristão no balneário da sua equipa tem um peso muitíssimo maior que o do papa. Porque os seus colegas de equipa não ligam puto ao que o papa diz, ou que o bispo diz mas são diretamente interpelados pelas atitudes, comportamentos e palavras do meu filho. Aliás, tal como eu também lhe disse, foi justamente essa a revolução copernicana do Concílio Vaticano II: passarmos de uma Igreja institucionalista, vertical, para uma outra, horizontal, da qual todos somos chamados a ser, efectivamente, testemunhas. E essa, acredito cada vez mais, é uma responsabilidade que nem todos querem assumir. Por isso se refugiam nos erros da Cúria, do Vaticano ou do padre da aldeia.

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