20240919

"São-lhe perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama." Lc 7, 36-50

Há uns anos, em Taizé, uma reflexão bíblica despertou-me para esta ligação íntima entre amor e pecado. Até essa altura, nunca me tinha sequer apercebido que estariam ligadas. Como é típico de Taizé, que procura sempre um outro olhar sobre as leituras - bíblica e da vida - a pergunta que era colocada era se o perdão era muito porque se tinha amado muito ou se o perdão era necessariamente muito porque, como se amava muito, pecava-se muito. Não é bem a mesma coisa. Perdoar muito porque se ama muito cheira a recompensa: Perdoar muito porque, por amor, se peca muito, cheira a risco aceitado. 

Acredito que as Escrituras nos dizem o que, em dado momento, precisamos de ouvir. É como se Deus viesse ao nosso encontro nas perguntas e inquietações mais profundas. Não nos fala exclusivamente através das Escrituras, claro, mas nelas encontro sempre o que procuro, sobretudo quando não sei que procuro, sobretudo quando não gosto particularmente do que encontro. 

Ser perdoado será, talvez, junto com a inquietação, a minha ânsia mais profunda. Não sei concretamente de quê, mas intuí sempre que ser perdoado seria a condição fundamental para poder colocar a hipótese de ser amado. Por isso, quando discuto, quando me chamam à atenção, quando as coisas não correm bem, geralmente tenho dois momentos: um, imediato, motivado pela vergonha, em que barafusto; outro, posterior, na solidão, motivado pela culpa, em que me pergunto o que fiz e não deveria ter feito ou não fiz e deveria ter feito. E chego, invariavelmente, à conclusão que estive - estou sempre - aquém do que deveria ser e que, invariavelmente, a culpa é minha. E nada nem ninguém é capaz de aliviar essa dor.

Amar muito é um bom motivo - talvez o único bom motivo - para errar muito. Amar muito e muito intensamente é correr muitos riscos, é ser como Pedro e viver com o coração perto da boca, é ser intempestivo e voluntarioso, irracional e, mais uma vez como Pedro, viver com a indelevelmente permanente sensação que apenas se é digno de se ser amado se fizermos grandes gestos, se proferirmos grandes proclamações, se formos maiores do que alguma vez fomos ou sentimos ser. É darmos passos maiores que a perna. É ouvirmos: Zé... tem juízo, hoje mesmo negar-me-ás três vezes... É sentir, todos os dias, esta necessidade de pedir perdão por existir. 

Por isso, quando, em Taizé, percebi que haveria a possibilidade de esta necessidade de perdão advir desta necessidade de amar e ser amado, a minha culpa ganhou um outro sentido. Um sentido que não permanece, que passa rápido, que facilmente se remete para o esquecimento. Mas que, como hoje, pode ser recordado. E sempre que o é, torna um dia qualquer, num dia bom.

Bom dia :-)

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