20210924
20210922
20210920
A cada morte, a cada notícia de morte, a cada confronto com a morte dos outros, inevitavelmente penso na vida. Hoje vínhamos a conversar justamente sobre esse confronto, sobre o como e sobre o que vale ou não a pena viver. O Padre Almiro dizia sempre que mais vela uma vida gasta que uma vida enferrujada. Sim, mas... e a dor? Vale a pena viver a dor? Em nome de quê? E o sacrifício? Vale a pena o sacrifício? Em nome de quê? Até que ponto?
A minha experiência vai-me dizendo que tudo isso pode valer a pena. Se formos felizes. Verdadeiramente felizes. Não permanentemente alegres, que isso, para além de ser idiota, é impossível. Mas intimamente felizes, como apenas quem vive em sintonia consigo e com aquilo a que se sente chamado a ser é. Naturalmente, uma sintonia assim só se atinge depois de muita escuta e de muita cabeçada na parede. Depois de começar e recomeçar imensas vezes, tantas aquelas em que se duvidou se aquele era, de facto, o nosso caminho. Porque a felicidade não pressupõe a ausência de tristeza. Ou de dor. Ou de desespero. Isso tem outro nome: alegria. E a felicidade nem sempre é alegria. É também, por vezes, dor. Mas a felicidade pressupõe a aceitação transformadora do que dói, encarando-o e trabalhando-o para que ganhe sentido: se dói, há um sinal qualquer que eu não vi e preciso ver para poder trabalhar, e transformar.
Se me perguntarem, dificilmente direi que vale a pena viver a dor. E o sacrifício. A não ser para podermos ser e fazermos ser mais felizes. Se não o formos, se não o conseguirmos fazer ser, se, apesar dos momentos de alegria, a dor permanece, esse é um sinal de que precisamos de mudar. Dentro de nós. Ou fora de nós. Sob o risco de deixarmos a vida escapar-se-nos por entre os dedos. Por muito que a tentemos agarrar.
20210915
20210913
Quem me conhece um pouco mais que apenas circunstancialmente sabe como me são caros os recomeços. Por um lado, sempre foram por mim tidos como oportunidades, como refazeres ou, mais importante ainda, como reseres, deitando fora tudo o que em mim se vai acumulando de detestável e desprezível, permitindo-me - ilusoriamente, claro - sentir-me um outro que não eu. Nesta perspetiva, o recomeço é prenho de desejo de ressurreição, de Pessach, pleno de juras de melhoria e de projetos sonhados que me permitam, finalmente, transformar no Homem Novo que sempre anseio ser. À medida que a vida foi acontecendo fui percebendo que a esta minha Páscoa se sucedia, invariavelmente, não a vida nova da ressurreição, mas a condenação ao deserto dos velhos hábitos. Que afinal eram vãs as minhas promessas e que eu continuava a ser eu, apenas com mais algum tempo em cima. E, ao ritmo de sempre, marcava nova data no calendário, esta sim, agora é que vai ser definitiva, verdadeiramente transformadora de mim, conferindo interminável vida a este ciclo.
Se estes eram os recomeços que me eram caros, no sentido de queridos, agora permanecem caros, mas num outro sentido, o do custo da perda. Porque agora, nestes recomeços, me faltam presenças, falta-me gente. Faltam alguns companheiros de trabalho, que escolheram outros projetos, outras vidas. E faltam alguns dos miúdos com quem partilhei entregas e orações e cantorias e até dores e alegrias. Uns e outros vivem nesta altura a alegria da sua própria Pessach, com aquela mistura tremendamente viciante de expectativa, risco e ansiedade, devidamente potenciados pela enorme quantidade de adrenalina que faz os sonhos voar, e nós com eles. Uns e outros são gente que parte, que deixo de ver nos corredores, que deixo de cumprimentar naquela quotidiana quase indiferença porque sei que amanhã o poderei fazer novamente. Uns e outros são olhos que deixo de ver, são vozes com quem deixo de trocar gracejos e piadas de gosto duvidoso, são pessoas com quem deixo de aprender, todos os dias, a maravilha do complemento direto da diferença.
O que separa ambos os recomeços? O umbigo. O meu umbigo. Na verdade, os meus recomeços de mim são desilusões. Irredutíveis e inevitáveis desilusões provenientes do pisar o chão das minhas expectativas. Tão inevitáveis quanto a minha persistente dificuldade em perceber que eu não sou um jogo de computador, que não posso fazer um reset de mim próprio, como se hoje eu não tivesse nada a haver com quem era ontem. Porque a ideia não é recomeçar, mas transformar. Transformar evolutivamente quem eu sou em quem eu gostaria de ser. Sem cortes drásticos. Sem ruturas impiedosas. Sem ignorar aquelas partes detestáveis e desprezíveis de mim – que continuam cá por dentro – mas, pelo contrário, reconhecendo-as, valorizando-as, para que as possa transformar e a mim próprio com elas.
Os recomeços dos outros, dos que me habitam cá por dentro, são fonte de alegria. Porque, apesar da separação, é bom, muito bom, vê-los voar, testemunhar o seu crescimento enquanto pessoas de cabeça erguida, acompanhando à distância – e a distância hoje encurta-se de tantas maneiras! – os seus feitos e fracassos, rejubilando com uns e sofrendo com outros, sabendo que no final o que importa é que a bússola funcione em condições por forma a manter o rumo definido.
São-me caros, os recomeços. Sempre. São perdas e ganhos. São realidades transformadas e transformadoras. São oportunidades. São inevitáveis. São desejáveis. São, ao fim e ao cabo, o que nos faz despertar o desejo de crescer.
Recomecemos, pois.
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20210908
Bambora
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