o ohar de Deus


Hoje discute-se a eutanásia. Um dos temas mais fraturantes dos nossos dias.

Ao contrário do aborto, sobre o qual só tive certezas - é sempre o exercício de quem tem poder sobre quem não se pode defender, por isso nem há nada a discutir - sobre a eutanásia sempre tive muitas dúvidas. Eu sou católico, sei que a vida não me pertence, não veio de mim, não acaba em mim e, mais que isso, acredito mesmo que somos sagrados, que reside em cada um nós uma centelha de Deus, que me anima, que me orienta nos momentos mais difíceis e que, assim o desejo, seja capaz de me impedir de pedir para morrer quando estiver na maior das dificuldades. No entanto, se isto faz sentido para mim, aceito que não faça sentido para todos e que retire o sentido da vida perante um sofrimento atroz. E a uma vida vivida  que não encontra o seu sentido profundo apenas resta o sofrimento sem sentido. 

Concordo que toda esta questão se deva a uns alicerces que estão implantados na areia. Se a modernidade, a contemporaneidade ou o pós-modernismo têm o eu como base, nomeadamente o eu perfeito, belo e jovem, quando essa juventude se desvanece leva consigo o amor-próprio porque não consegue discernir a beleza da vida. Quando se passa a vida tendo o sucesso como horizonte e meta a alcançar a qualquer custo, a doença aparece travestida, antes de mais, de tremendo fracasso. Quando o hedonismo é a nossa forma de vida, a dor, permanentemente adiada mas inexoravelmente chegada é, antes de mais, uma desconhecida que entra de rompante e toma conta de tudo.

Todo este enquadramento cultural tem, necessariamente, uma implicação efetiva no olhar que cada uma lança sobre a própria vida. Na realidade, não podemos exigir a quem toda a vida foi um estrangeiro de si mesmo que volte a casa nos seus momentos finais. Até porque isso, a acontecer, seria a constatação que se viveu toda a vida enganado. 

Durante quase toda a sua vida, a minha avó nunca ligou puto à religião que nunca entendeu, e de cujos praticantes dizia cobras e lagartos. Apesar de nunca termos sido muito próximos, aproximamo-nos quando eu percebi que não teria avó por muito mais tempo e passei a visitá-la com maior frequência. Ao longo das nossas conversas ela, que sabia que eu estudava e era ligado a estas coisas da fé, começou a perguntar-me coisas sobre Deus e a vida depois da morte e a fé. Acabou por morrer poucos anos depois, em paz e ficando eu também em paz por me ter reaproximado dela.

Acredito que a nós, cristãos, nos resta este papel, tanto na eutanásia como no aborto como em qualquer outro caso de humanidade: o papel de estar, quando formos chamados, sem invadir mas propondo a nossa mundivisão, e, sobretudo, ajudando a ver a maravilha do olhar amoroso que Deus faz recair em cada um de nós. Qualquer que seja a nossa circunstância,

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