Nós temos uma expressão: ir de fátima a nazaré. Estávamos nos primórdios da nossa vida, em fátima, num dia de calor sufocante, e eu tive que lhe pegar literalmente ao colo, enfiá-la quase à força no carro e levar-nos à nazaré, onde pudemos respirar um outro ar. Acontece-nos isso, por vezes. Estamos mal, tão mal que nem nos apercebemos que estamos mal, tão mal que nos incomoda sequer a perspetiva de nos mexermos, tão mal que precisamos que nos peguem ao colo, tão mal que a última coisa que nos ocorre é deixarmo-nos amar. Aconteceram-nos imensas vezes, pegamo-nos mutuamente, cuidamo-nos mutuamente, amamo-nos mutuamente. Nem sempre de mútuo acordo. Sempre com o mesmo resultado: sentirmo-nos amados e cuidados. E nada há na vida melhor que sentirmo-nos amados e cuidados.
Ontem, no final de um longo e algo penoso dia de trabalho, olhei-a e vi o seu olhar cansado. "Vamos namorar". Descemos alguns metros até ao mar, o nosso mar, um dos lugares que testemunham a nossa vida de muitas vidas, o nosso caminho de muitas caminhadas, as nossas lágrimas de ainda maiores sorrisos. E eu sabia que iria acontecer o que aconteceu: voltei a ver o seu olhar de gaiata, feliz, apaixonada, a louvar a Deus e à vida, por termos ido de novo de fátima a nazaré. Eu conhecia o desfecho, antecipara-o e, deliciado, confirmava-o agora no seu olhar, sentia-o no seu abraço forte, no beijo prolongado.
Há, no caminho feito, milhares de histórias feitas de contrastes, de estados de espírito diferentes, alternados, repentinos ou repetidos, intempestivos ou antecipados, programados, mas sempre, sempre, tidos como novos, sentidos como novos, vividos como novos, num renovar constante que faz determinadas coisas sempre novas. Como a sua alegria belíssima, genuína, infantil, à medida que caminha sofregamente sobre os seixos da praia para molhar os pés na água gelada. Haveremos de ter 90 anos e, para mim, nessa cena, ver-te-ei sempre menina a caminhar, feliz,  em direção ao mar!

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