20170823
Sempre que leio ou oiço falar no diabo sinto as unhas dos pés a torcerem-se todas. De vez em quando há na Igreja algumas tendências que me deixam, mais que estupefacto, profundamente triste. Devo confessar que, no Papa Francisco, esta recorrência ao diabo me confunde. Mais: entre outras coisas - como o simplismo do seu papado (que é coisa bem diferente de simplicidade) - essa referência quase permanente provoca quase que uma reserva interior, como se alguma coisa não batesse certo. Então a falácia "a principal vitória do diabo é não acreditarmos na sua existência" põe-me verdadeiramente fora de mim. É fanfarronice!
Eu acredito no Bem. E no Mal. Não como entidades invisíveis que pairam acima das nossas cabeças mas como possibilidades, como potencialidades, como resultados de escolhas nossas, conscientes ou não. Por isso não gosto quando, por exemplo, se diz que Hitler estava possuído pelo demónio. Hitler, como qualquer um de nós - numa outra escala - tomou decisões, fez escolhas, influenciou milhões de pessoas para destruir milhões de pessoas, em nome da ganância, da sede de poder, de superação de dificuldades interiores e exteriores, de vinganças, de orgulho. Tal como cada um de nós! Era mau, sim, mas porque escolheu o mal, não porque fosse habitado pelo demónio. Num outro pólo, Gandhi ou Luhter King ou tantos outros não estava particularmente habitados pelo Espírito. Tomaram decisões, fizeram escolhas, provavelmente tiveram noites sem dormir e problemas de consciência e incertezas, assim como Hitler ou Estaline ou, repito, qualquer um de nós. Em todos eles, em todos nós, habita a potencialidade do Bem e do Mal. Cabe-nos escolher.
O problema do demónio é que retira da nossa humanidade da equação. A humanidade enquanto capacidade de escolha, enquanto liberdade, enquanto voz ativa na definição do que cada um quer para a sua vida e para a vida dos outros. A recorrência ao diabo desresponsabiliza, potencia o bode expiatório, permite remeter, mais ou menos conscientemente, a culpa para debaixo do tapete.
E eu prefiro uma culpa reconhecida a uma culpa não assumida. Por mais que doa. Ajuda-me a crescer. Sempre!
20170813
Recordo com frequência a lamentação em prantos de um amigo que se divorciara havia pouco tempo: "o que mais me dói é não poder estar todos os dias junto dos meus filhos."
Quando se ama nada dói mais que não estar. Porque não se pode, porque não se deve, porque as situações que criamos não nos permitem fazê-lo, porque a vida faz o seu caminho de acordo com as nossas escolhas. Ou não. Talvez seja também por isso que continue a pairar cá por dentro o o terem-me dito que não sei amar. Porque há uma responsabilidade que outras responsabilidades me impedem de assumir, E não existe amor sem responsabilidade. Não existe fantasia ou desejo ou sonho ou wishful thinking que resista à realidade: sou apenas um. Se não por dentro, pelo menos por fora sou apenas um. E, fisicamente, não consigo estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Quando se ama, escolher não devia fazer parte do campeonato. Amava-se e pronto. Estava-se quando se estava e pronto. Sentia-se e pronto. Mas a escolha é, justamente, uma consequência de amar. Porventura não definitiva, porventura não exclusiva, mas sempre com o paradoxo de, inexoravelmente, conciliar a infinitude do ser com a perene limitação física do estar. Não devia ser assim. Ás vezes é tão difícil ser assim!
Frequentemente sinto enormes dificuldades em corresponder à necessidade de estar. O que significa, em última análise, que frequentemente sinto enormes dificuldades em escolher onde tenho que estar. Esta minha omnipresente tentação de ter sol na eira e chuva no nabal, apesar de por vezes muito saborosa, revela-se inevitavelmente desastrosa à medida que o tempo vai sendo tempo. Acabo por ser pela metade, sempre dividido, sempre a dividir, sempre a repartir aquilo que apenas faz sentido por inteiro.
20170807
"Tu não sabes mesmo amar!"
Não sei já se foi bem assim que eu li. Não interessa. Foi assim que ficou. É assim que permanece. Para ser lido e relido e trelido. Para questionar. Me questionar. "Tu não sabes mesmo amar!"
Naquele quatro onde estava só mas longe de me sentir só, esta questão apresentava-se-me várias vezes. Ao longo de um dia são algumas as vezes em que tenho vontade de dizer a alguém que a amo. A propósito de algo que penso, a pretexto de algo que vejo ou oiço, a despropósito de coisa nenhuma, várias vezes tenho a tentação - umas vezes concretizada, imensas não - de enviar uma sms a dizer "amo-te". Apenas isto. "Amo-te" Por vezes quando o faço recebo algumas respostas curiosas. "O que se passa?" "Estás bem?" " O que aconteceu?" Parece que receber uma declaração de amor - romântico ou não - não é válido se não for devidamente acompanhado de uma tese.
"Tu não sabes mesmo amar!"
Naquele quarto perguntei-me se não sei mesmo amar. Como amo? Amo? Uso? Abuso?
Perguntei-me por quem estou eu disposto a dar a minha vida. Por quem dou o peito às balas. Por quem abdico de mim. Por quem não me importo de me adiar. Por quem me ultrapasso e me relego e me deixo para segundas núpcias. Por quem me anulo ou deixo anular. Enumerei até as pessoas por quem por vezes, nos dias bons, faço isso tudo. Então, se eu o faço, ainda que poucas vezes, não saberei eu amar? Mas será isso o saber amar?
Aguardo.
20170806
Nos meus tempos bons, de alguma serenidade interior, confio. Nos meus tempos maus, de enorme turbulência interior, escolho confiar. Não sem luta, não sem relutância, mas rendido à inevitabilidade da minha crónica insuficiência de ser.
Desta vez teve mesmo que ser. Há já quase dois anos que, confrontado com acontecimentos inesperados e marcantes, uns excelentes outros terríveis, que eu andava às bolandas. À minha maneira. Que é sempre de perda, de cair e levantar, de estender a mão, de "eu resolvo", de oscilação enorme, de perda de referências, de desnorte total. Sobretudo causado pelo "eu resolvo".
Calculo que todos nós gostaríamos de viver sem pressa. De saber saborear o tempo, a vida, o momento. Durante aquele fim de semana, porque não podíamos falar - que bem me dei com o silêncio! - dei comigo a saborear a comida, a mastigar sem pressa, apercebendo-me de cada sabor. Porventura passar-se-ão mais alguns longos tempos até o voltar a fazer, mas apreciei bastante essa coisa aparentemente menor de saborear devidamente cada momento.
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Bambora
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