No Silêncio, a presença daquele japonês que apostasava com extraordinária facilidade era a minha salvação. Sempre que ele se encontrava em perigo não hesitava em salvar a própria pele. Claro que depois vivia atormentado por si próprio, pela sua cobardia, pela sua falta de fé, pela sua persistência na sobrevivência a qualquer custo. Que descambava, inevitavelmente, numa não vida.
São evidentes as ligações a Pedro, que negou Jesus com a mesma facilidade. É típico dos que, como eu, têm raízes pouco profundas e por isso passam a vida a questionar o que - e se - vale ou não a pena. Como diz a canção - sábia, como todas as canções e ditos populares - não me invejo de quem tem carros, parelhas e montes, só me invejo de quem bebe a água em todas as fontes. É essa a minha maior inveja, provavelmente porque é essa a minha maior e mais antiga culpa: a falta de raízes, de certezas firmes e seguras que me impeçam de me questionar e me permitam desfrutar da água fresca, diretamente da fonte.
Há muitos anos que eu não vou à missa. Há já muitos anos que eu não me limito a estar, a levantar e sentar, mecanicamente, seguindo impulsos que me são externos, apenas porque sim. A eucaristia, regular e participada, é-me fundamental como ponto de referência para a minha vida. Aí, na eucaristia, sinto-me sempre confrontado. Sempre. Sinto-me sempre desalentado. Sempre. E saio sempre retemperado. Sempre. Muitas vezes digo ao meu pároco, em tom de (mais ou menos) brincadeira, que ele faz as homilias a pensar em mim. E le responde-me que sim. Não apenas em mim, mas também em mim, pois é também a mim que Jesus fala.
O Silêncio seria para mim um filme completamente diferente e estranho sem aquele japonês. Seria um filme de super-heróis, muito giro e tal, mas a que faltaria vida. Assim, é para mim um filme estranhamente consolador. Saber que, apesar do que sou, terei sempre para quem voltar é, muitas vezes, o meu único motivo de esperança.

Comentários

Mensagens populares deste blogue