Não acredito em desapegos. De pessoas. Voluntários. Acredito que a vida vai proporcionando encontros e desencontros, que vamos fazendo escolhas ao longo do percurso, algumas bastante dolorosas outras nem tanto, apenas porque somos limitados e não podemos ter tudo e muito menos ser tudo em todos. Não temos o dom da ubiquidade e, por muito que evoluamos, não acredito que alguma vez o venhamos a ter, até porque seria imenso o que perderíamos. Para vida à nossa medida, exatamente como temos e gostaríamos de ter, bem basta o que basta.
Não acredito em desapegos. De pessoas. Acredito que nos podemos desligar de objetos, de coisas, que têm uma história na nossa história, que nos transportam a lugares e tempos e dias e noites e nos recordam conversas e caminhos e sorrisos e dores, mas mesmo aí com algum custo. Eu próprio tenho lá em casa a minha primeira guitarra, todinha empenada, que mais não faz que ocupar espaço na sala, que mais não faz que ocupar espaço bem dentro de mim. Olho para ela e recordo festas e rodas e noites à beira mar e miúdas embevecidas comigo ainda mais embevecido com o seu embevecimento apenas porque lhes estava a cantar qualquer canção fatela, e recordo retiros e orações e eucaristias e janeiras com os dedos enregelados e a alma quente. Olho para ela e recordo imediatamente o Paulo e a Carmem e o Lino, as horas que passamos juntos a cantar cheios de vida e recordo que nunca mais nos será possível voltarmos a estar juntos a cantar mas naquela guitarra está também alguma da sua presença e da sua vida.
Não acredito em desapegos. De pessoas. Acredito que porventura haverá alturas em que desejemos nunca ter conhecido - nunca tive! - nunca ter acontecido - nunca tive! - ter decidido outra coisa qualquer  - já tive algumas vezes, mas nunca por causa de pessoas! -  em vez de nos ligarmos e deixarmos ligar a alguém. Mas mesmo aí, mesmo nesse caso, acredito que devemos viver quando é de viver, que devemos enlutar quando é de enlutar, mas que devemos dar graças pelo imenso que sentimos e nos transformamos e nos construímos e nos descobrimos apenas porque no deixamos tocar por alguém. Que a vida seria completamente menor sem alguém parece-me uma daquelas verdades lapalicianas que não entendo como pode não ser visto ou entendido por alguns.
Mas isso sou eu, que cheguei aqui, bem ou mal - umas vezes bem outras bem mal - a dar graças pelo caminho percorrido e, fundamentalmente, pela companhia do caminho percorrido.
Não. Não acredito em desapegos. De pessoas. Voluntários ou não. Impostos ou não. Muito menos a pedido. Que apenas t~em a virtude de engrandecer o apego.

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