O meu sogro, homem de parca formação mas de enorme visão - e que me topou logo que me pôs a vista em cima - achou sempre que eu falava demais, que tinha um lado basófias que lhe custava mito a engolir. E não se enganou.

No sábado fui buscar os tios velhinhos ao lar onde tinham ido fazer uma experiência. Era suposto ficarem lá um mês e não aguentaram sequer uma semana! Quando lá cheguei fomos todos visitar as instalações Não eram nada de especial, nem boas nem más, mas não foi isso o que me impressionou. O tio dizia insistentemente que não se via ninguém, que ninguém ia para a sala de jogos "3 bilhares, Zé, e ninguém vai para lá" que a biblioteca "com mais de 1500 livros!" estava sempre vazia "só lá tem um velhote que pega no Notícias de manhã e nunca mais o larga" e que, fora isso, não se via ninguém "nem nos jardins, nem nos parques, nem nos corredores". Como sempre, achava que ele estava a exagerar: não era possível que uma casa com mais de duzentos velhinhos estivesse assim tão vazia.

No sábado percebi.

Enquanto ele me andava a apresentar os cantos ao Lar vi muita gente, efectivamente, E não vi ninguém. Vi velhos e velhas encatrafiados em salas de estar, sentados em cadeiras de rodas ou em sofás gastos, a cabecear de sono, com o olhar ausente, enquanto a televisão debitava qualquer coisa à qual eles não ligavam nenhuma. Em cada sala estariam 6 ou 7 mas nenhum deles conversava, nenhum deles sequer reagia à medida que íamos passando, iam-se deixando estar. Vi montes deles na enfermaria "é duro, não é, Zé? Mas não podemos deixar de vir aqui para ver a realidade", completamente amorfos, sem dar por nada. à medida que íamos passando pelos corredores ele ia-me apontando as portas dos quartos fechadas "a este morreu-lhe a mulher...  esta, nunca a vi, nunca sai do quarto... este não faz nada sozinho... este está maluco, não diz coisa com coisa" numa sucessão infindável de misérias e, sobretudo, de solidões.

Francamente, nunca antes me tinha apercebido com tanta crueza como é possível estar tão só no meio de tanta gente! Aqueles velhos estão lá, sentados, permanentemente sentados, à espera que o tempo passe. Imagino-me no lugar deles e imagino o tempo - o Mestre Tempo, como pomposamente lhe chamo - com uma crueldade que não lhe conhecia, com uma impiedade que não lhe conhecia. Imagino-me no lugar deles, sem nada que me aqueça os dias, com as horas a sucederem-se à custa dos minutos, que vão devorando longos segundos, com cada manhã a ser irremediavelmente igual à manhã anterior, antecipando a fotocópia da manhã seguinte, e imagino-me a dar em doido.

Regressamos à sua casa e foi vê-los felizes da vida, a serem acolhidos pelo gato, pelo seu lar de sempre, por todos nós, a reganhar vida. Dão um trabalho do caraças, são mito chatos estão sempre a discutir, mas nessa noite dormimos todos melhor porque eles estavam lá, apenas duas casas acima das nossas.

Sempre disse que, quando fosse velho, gostaria de ir para um lar.

O meu sogro é que a sabia toda!

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