Não sou homem para hoje, Dia Mundial da Pobreza, colocar aqui uma foto de alguém miserável. Detesto a instrumentalização das pessoas, nem que seja para conseguir chegar a uma boa causa, como esta da partilha efectiva. Este é um assunto demasiado sério, ainda para mais nos dias que correm, para ser tratado com ligeireza. Noutros anos refere-se muito a "pobreza de espírito", sempre profusamente distribuída aos outros e sempre à míngua em nós próprios. Este ano, porém, ninguém se atreve a fazê-lo.

Nos dois últimos anos testemunhei várias experiências de pobreza. Estive em Moçambique, onde a necessidade tem contornos que estão muito longe do imaginário daqueles que a tudo assistem alapados no sofá. Aos moçambicanos falta tudo, absolutamente tudo, a começar pela consciencialização dessa falta, - por isso são tão alegres (atenção: alegres, não felizes, que isso é outra coisa completamente diferente!) Não têm comida, não têm roupa e, fundamentalmente, não têm educação. Foi lá que confirmei que nos podemos habituar a comer e a vestir o que calha mas que se não nos ensinarem a aspirar mais alto, viveremos toda a vida a viver como calha. A educação é absolutamente fundamental para conseguir dar o salto. 

Mas não foi apenas lá, em terras de África, que testemunhei a miséria profunda. Este ano, no Domingo de Páscoa, fui no compasso. Visitei casas miseráveis onde vivem pessoas para quem o desespero é visita quotidiana, com a consciência plena que são o lixo que varremos para debaixo do tapete. Pessoas que vivem miseravelmente, cujas reformas não chegam nem para pagar a sopa do jantar, quanto mais para pagar os medicamentos que os impediriam de cair aos bocados nos últimos anos das suas vidas. Quase as mesmas pessoas que agora aparecem todos os dias na nossa Paróquia para poderem comer uma sopa quente e irem mais aconchegadas para a cama. E só não são as mesmas porque muitas delas não têm capacidade para chegarem à Mesa de São Pedro. 

Gostava de poder dizer que estas são histórias de vida, mas são tudo menos história. São vidas vividas, efectivas, omnipresentes, numa pequena vila mineira a 6 kms do Porto. São vidas vividas junto à nossa porta, na nossa rua, na nossa própria família. Hoje, infelizmente, a miséria não é um eufemismo. É uma realidade dura, nua e crua, que se aloja debaixo da almofada e contribui para que as nossas noites sejam negras.

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