20120718
Tivemos, hoje, uma daquelas nossas deliciosas conversas que, mais uma vez, terminaram com o (para mim já costumeiro) "és um bocado estranho!"
Sorrio. Não o considero nem um insulto nem um elogio. Sim, sou estranho. Desde que me conheço que encaixo em todo o lado... e em lado nenhum. Desde miúdo que sou visto pelos meus como sendo um bocado estranho: sonhador, com a cabeça na lua, como se não pertencesse a este mundo, como se não estivesse nem aí. Depois, no bairro, continuei a ser estranho para muitos: alinhava nas brincadeiras mas não era muito asneirento, não me metia em confusões, nunca quis nada com drogas, nem tabaco, nem bebidas, o que, convenhamos, era muito estranho para aqueles que constituíam o meu pequeno mundo. Depois, na capela, continuei a ser estranho, fui-o no JUP e, mais tarde voltei a sê-lo no RH+. Que apesar de tudo foram os sítios onde pude ir sendo mais eu, à medida que me ia descobrindo e construindo. Sem nunca deixar de privilegiar o meu espaço. os meus momentos e, mais importante, a minha própria visão da realidade. Sempre vagueante, sempre pouco exata, sempre com poucas ou nenhumas certezas.
Acredito sempre que gaguejar é muito importante para mim. Permitiu-me aceitar a inevitabilidade da diferença e, ainda mais importante, pensar que, face à gaguez, todas as outras diferenças eram perfeitamente secundárias. Permitiu-me aprender a lidar, com relativa facilidade, com as opiniões alheias, às vezes mal intencionadas, com os meus próprios limites, aceitando-os com a naturalidade possível. E, no fim de contas, liquidou à partida aquele deseja que muitos têm de se acizentarem, de se tornarem invisíveis, iguaizinhos àqueles que admiram. Caladinho até poderia passar despercebido, mas cedo compreendi que mal abrisse a boca garantia a atenção dos que me rodeavam. Para o bem e para o mal.
Sim, sou estranho, gosto de coisas muito estranhas, demasiado pequenas para a maioria dos que me rodeiam, mas que preenchem os meus dias. Levei algum tempo a perceber-me, a descobrir-me, a encaixar-me nos meus limites. Creio que não levei tanto a tentar ser feliz, a tentar descobrir nesses mesmos limites motivos de verdadeira felicidade. Em tempos tive um cão que para se deitar fazia meia dúzia de círculos em torno de si mesmo e depois lá se deitava, em paz. Por vezes acho-me parecido com ele: também eu circulei em torno de mim mesmo até encontrar o meu lugar.
Começo a sentir que estou perto.
Cada vez mais estranho.
Cada vez mais em paz comigo mesmo.
20120712
Há momentos da vida que se assemelham estrondosamente com um filme de Woody Allen: tudo se passa num só dia, num só espaço, que se vai transformando arrastando nessa transformação os que nele habitam. Vamos sendo os mesmos intercalando-nos a nós próprios com os outros nós que alternadamente nos habitam e desabitam e que tentam ganhar o seu lugar numa intensa batalha corpo a corpo, olhos nos olhos. Há, nestes dias, uma enorme amplitude térmica emocional: conhecemos a alegria do reencontro e a tristeza da despedida, a constante presença e a saudade da separação, o reencontro do terraço e a despedida, ainda que efémera, de uma lua que todas as noites volta para nos permitir que dela nos apropriemos. Tudo é contraditório, tudo é contido, tudo é dito e vivido entre dentes, como se temêssemos que as nossas próprias sombras se afastassem definitivamente de nós próprios e nos deixassem ali, sós, desamparados, numa procura nunca acabada. São raros, estes momentos. Ainda bem! Infelizmente! Eu sei lá qual das duas é a mais indicada. Por um lado, ainda bem, porque, coisa rara ente nós, por vezes até as palavras incomodam de tão desadequadas. Por outro lado, infelizmente, porque são os momentos com esta intensidade que ficam guardados, quantas vezes contra a nossa própria vontade, no mais fundo de nós próprios.
20120705
Nunca fui homem para grandes cálculos. Perante as coisas mais importantes, simplesmente fecho os olhos e deixo-me ir, não sem alguma preocupação, mas com muita confiança. Claro que não sou diferente de ninguém, claro que tenho medo que as coisas corram mal - e às vezes corre mesmo mal - mas sempre fui mais de acolher e trabalhar com o que a vida me vai dando que de correr atrás dela.
Acredito há muitos anos que somos tão mais felizes quanto melhor nos conhecermos e conseguirmos encontrar a nossa própria maneira de ser e de fazer. Fui descobrindo que sou muito mais feliz - e melhor - a cumprir planos que a delineá-los, a confiar em quem saiba mandar e coordenar, que a cumplicidade me é muito característica e que por isso visto com facilidade uma camisola e por ela me esfalfo alegremente e sem contabilização de custos pessoais. Que me envolvo muito nas coisas, que as faço por puro gozo e tenho alguma dificuldade em distinguir o que é trabalho do que é lazer e por isso , e normalmente não estou nada preocupado com o destino da viagem mas empenhado em desfrutar da viagem. E que não é preciso muito para que me deite todos os dias mais ou menos feliz porque o meu dia valeu a pena.
Evidentemente, tudo isto me torna pouco autónomo. Costumo dizer a uma das minhas filhas - igualzinha a mim - que somos como os barcos com motor fora de bordo. E não há mal nenhum nisso. Temos é que ter um especial cuidado em nos rodearmos das pessoas certas.
E nisso tenho tido muita sorte
20120702
Eu acredito que escolhemos aqueles que amamos. Quando partimos para a aventura, todos os dias renovável. todos os dias renovada, de partilhar a vida com alguém, devemos ter a capacidade de escolher, com um misto de razão e de coração, aquela a quem nos vamos entregar. Não basta a razão, mas também não basta o coração, assim como nem sempre amar chega para segurar uma relação.
Há na vida, contudo, aqueles a quem devemos amar, sem nunca terem sido escolha nossa. São os laços familiares que nos unem, para o bem e para o mal, e é com eles que temos que viver. E aprender a amar. E aqui a coisa é um bocadinho mais difícil. Temos que passar por cima de defeitos, de gestos e atitudes, temos que saber engolir sapos, aprender a olhar para o outro lado, por cima das coisas, e tentar encontrar nas pessoas motivos para serem amadas. Apesar de tudo. Porque não é preciso gostarmos de alguém para o amarmos. Gostar é algo instintivo, natural, apelativo, tendencial. E mais superficial. Mais volátil. Amar implica sair de mim, do que prefiro, do que eu gostaria que acontecesse e ir a encontro de alguém engolindo em seco. É mais difícil. Por vezes, muito mais difícil. E nem sempre é claro se vale a pena.
Sempre pensei que escolhíamos os do futuro e herdávamos os do passado. No entanto, tenho vindo a aperceber-me que não é bem assim. Que, de certa forma, também o futuro - a parte mais importante do futuro - se nos escapa pelos dedos fora. Os meus filhos começam a escolher aqueles que amarão pela vida fora. Com quem construirão(emos) o futuro, com quem partilharão(emos) a vida. São mais pessoas para aprendermos a amar, de uma forma totalmente diferente, de uma forma totalmente nova. Veremos o nosso amor, até aqui quase exclusivo - a ser partilhado por outros pais, a ser dividido - e não venham com histórias, a sensação é que o nosso amor é mesmo dividido - com outros, por outros, em favor de outros, aliás como deve ser, porque foi para isso que os educamos. Ainda agora, à vinda para aqui, conversávamos que as certezas eram nenhumas: vamos reagindo, vamos afinando posições, refazendo pensamentos, acomodando sentimentos que vão sendo, paulatinamente, um pouco menos estranhos.
Não é coisa fácil, esta de amar.
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Bambora
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