20241231

Bambora

 


Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos os fracassos e frustrações, o homem volta a recompor-se, volta a esperar, volta a por-se em marcha em direcção a algo. Há no ser humano algo que o chama uma e outra vez à vida e à esperança. Há sempre uma estrela que volta a acender. 

https://www.gruposdejesus.com/epifania-do-senhor-c-mateus-21-12-3/


É tão inevitável como a passagem do ano: chegado a esta altura, faço listagens e propósitos e compromissos, porque desta vez é que é. Cheio de certezas, registo tudo: estados de alma, condição física, horários de sono, contas… para que de hoje a um ano possa ver, ufano, o extraordinário progresso que fiz a nível pessoal, familiar e profissional. 2025 vai ser espetacular! Pego no excel, abro uma tabela nova, cheia de cálculos e esquemas , com horários, ajustando tudo ao nível do sonho. Claro que na segunda feira, mergulhado no que não consegui prever, tendo que me ajustar à vida vivida, já esqueci completamente o que tinha programado. Mas não importa, lá para finais de julho, em pleno tempo de férias, faço o balanço do ano letivo e preparo o próximo com novas tabelas, novos esquemas, porque aí é que vai ser.

Muda alguma coisa? Claro que sim. É como estar aqui a escrever. Fazer as tabelas, programar, escrever, é trazer cá para fora o que está dentro. E precisa de ser escrito, mesmo, porque senão fica uma nuvem cinzenta a pairar em cima da cabeça, onde tudo se mistura e nada se clarifica. E é muito importante para mim trazer essas coisas cá para fora. É muito importante o processo de recordar e avaliar o que aconteceu para que possa servir de impulso para o que gostaria que acontecesse. É muito importante para mim este parar, olhar, apreciar, saborear, para poder ajustar processos e caminhos, reorientar destinos e poder avançar um pouco melhor. Sim, por vezes os avanços não são significativos; sim os recuos são imensos e desanimadores; sim, isso tudo. Mas quando olho para trás vejo um rumo. Nem sempre cumprido, nem sempre linear, nem sempre progressivo, mas um rumo, isto é: um ponto de partida e um destino, que nós não somos de chegadas - eu, pelo menos, não sou.

O único cuidado que tenho de ter é libertar-me da culpa do não cumprido. É não esquecer que uma projeção é apenas uma projeção, não é uma fatalidade. E eu nisso sou muito português, sou muito fadista, tendo a procurar motivos para não ter cumprido e, invariavelmente, tropeço nas minhas enormes insuficiências. Portanto, não me posso esquecer: as listagens que este ano fiz e tenho diante de mim são apenas isso: listagens, rumos traçados, agulhas que apontam o caminho. Mas o que importa, mesmo, o que torna uma vida bem ou mal vivida, é o caminho. E esse é para se saborear. Passo a passo. Momento a momento. Intensamente. As coisas boas e as coisas más. Gargalhar quando é de rir; Chorar baba e ranho quando é de sofrer. A cada momento o seu momento. Inteiro. Intenso. Haverá tempo para ajustar o rumo.

Hoje termina 2024. Bambora!

Um excelente 2025 para todos!

20241208

"...é exactamente quando deixamos de esperar que a vida começa a valer a pena."

 https://www.publico.pt/2024/12/08/impar/cronica/dizelo-cantando-gente-2114734

Tenho lido muita coisa boa. Crónicas, sobretudo. Gosto imenso de crónicas, de textos de opinião, de partilhas em textos pequenos que, quando bem escritos, têm a capacidade de me fazer poesia: levam-me a ver o que, distraidamente, apenas olho. Claro que não substitui o intrincado enredo de um bom romance, mas têm outra coisa. São-me quase familiares, provocam aquela sensação de "eu já estive aqui" que me permitem identificar com o que leio. 

No nosso GEP temos falado da espera. De como é bom esperar, de como é bom aproveitar a espera para vivermos antecipadamente o que sabemos que vai acontecer. Não tenho vida para deitar fora e a espera faz parte da vida, logo há que a saber aproveitar e vive-la bem. E eu, que tenho imensa dificuldade com os tempos intermédios - os que são entre uma coisa e outra - tenho aprendido a viver a espera. Sim, eu sei que normalmente o tempo mais importante não é o da espera mas o do acontecimento. Mas quanto mais importante é o acontecimento, mais importante se torna a sua espera. E a sua memória, depois. Quando bem vivida, esta tríade - espera, acontecimento e memória - forma um todo intimamente ligado e é esse todo que se transforma, eventualmente, num grande acontecimento da nossa vida. 

O problema, então, não é o da espera. O problema tem outro nome, que se incidia na espera, perturba o acontecimento e estraga a memória. O problema é a expectativa. Essa é que, se tiver rédea solta, toma conta de tudo. E dá cabo de tudo.

20241201

Sentar e conversar. Nem sempre resulta. Aliás, é um processo, um caminho com várias etapas, sendo que apenas resulta no final. Mas até chegarmos lá, sentamos e conversamos várias vezes. Portanto, não é propriamente o sentar e conversar mas o conversarmos sentados. Uma das minhas experiências mais marcantes em Quelimane, Moçambique - é uma das maiores aprendizagens - teve justamente a ver com isso: sempre que chegava a casa de alguém eram colocadas duas cadeiras debaixo de uma árvore. Por muito que eu dissesse que iria ser rápido, insistiam sempre para que sentássemos. Mais tarde aprendi que era um sinal de respeito, que significava que eu era tão importante que me concediam o seu tempo. Sentar e conversar. Até hoje, sempre que consegui dar início a esse processo, com tempo, com calma e olhos nos olhos, nunca terminou mal. Houve alturas em que concordamos, houve alturas em que continuamos discordantes, mas acabamos sempre mais próximos um do outro e, sobretudo, respeitando-nos e admirando-nos mutuamente. E esse é o verdadeiro caminho, não o concordarmos, mas o aproximarmo-nos. É só para isso que sentamos e conversamos.

20241130

 Ontem tive encontro do CoMTigo. Não saí satisfeito comigo. Não estava claro o percurso, de onde iria partir e sobretudo onde queria chegar. E quando os miúdos começaram a colocar as suas questões à procura de respostas eu patinei, transferi a minha falta de clareza para eles. Agora mesmo perguntava-me porque é que isso aconteceu. Não costumo patinar assim, não costumo não ser claro em mim para poder ser claro para os outros. Diria até que essa clareza, esse mastigar para poder alimentar é uma das minhas melhores capacidades. E percebi: eu rezei pouco isto. Certo, não tive tempo para caminhar com isto na cabeça, estive mental e espiritualmente envolvido noutras lides, tudo boas justificações, mas que são apenas isso: justificações. O que importa mesmo é que fui, de certa forma, sobranceiro, confiei excessivamente nas minhas capacidades, no trabalho sem rede, no desenrascanço. E eu não posso não rezar o que vou dizer, o que vou transmitir, o que vou rezar com os outros. E rezar o que vou dizer é pensar nisso sob o guarda chuva da fé, é deixar que acampe cá por dentro e faça caminho, é permitir que o Espírito me trabalhe e me conduza, torne as coisas mais claras em mim para que eu as possa tornar mais claras para os outros. Ontem faltou-me isto. Não acaba o mundo. Mas não pode voltar a acontecer.

20241128

Por pouco ficava encurralado. A intenção não era má, talvez nem fosse consciente, mas tentaram encurralar-me. A propósito de uma discussão que tem tanto de atual como de superficial e estúpida: a da cor dos boletins de saúde. A pergunta que me colocaram era mais ou menos esta: se isso é assim tão importante, mais importante ainda é o nome que se dá à criança. Então não se dê nome para que ela o possa escolher quando quiser. Era mais ou menos isto.

Não dei seguimento. Neguei-me a seguir com a discussão. Não que a questão de fundo não seja importante – acredito que seja motivo de sofrimento para muitos – mas porque, se é importante, deve ser discutida seriamente. E só se discute seriamente com quem não está – voluntariamente ou não – entrincheirado. 


Discutir é dirimir argumentos. E isso apenas é possível com quem não está impermeabilizado, enquistado em si mesmo, mas põe a hipótese de não saber tudo. Por isso, não discuto com quem apenas tem certezas. São extremistas. Discuto com quem, como eu, anda sempre à procura. E que, ainda que no calor da discussão se diga disparates – dizem-se sempre disparates – permite que o que foi dito faça caminho dentro de si. E que tenha consciência que cada conclusão é passível de nova discussão. 


Hoje não me deixei encurralar. Pura e simplesmente disse que os termos da discussão eram tolos e que não discuto com tolos. Correu bem, como podem calcular . Paciência.

Mais um GEP. Mais uma consciencialização que somos de etapas, não de destinos. E como é importante termos essa consciência que somos etapas! Sobretudo se nos impedir de ficarmos ancorados ou na dor ou na euforia do sucesso. Ambos são momentos que se pretendem passageiros, não são a vida comum do dia a dia. Se entendermos a dor e a euforia como uma etapa sabemos que amanhã as coisas serão diferentes e que será retomada a normalidade. É importante, então, viver o momento - chorar quando é de chorar, celebrar quando é de celebrar - mas avançar. Avançar sempre. Pôr os pés no chão, encarar a realidade e fazer dela o nosso ponto de partida rumo a uma nova etapa. Sim, o rumo é importante. Não somos da deriva.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...