20240806

"We tell our stories because all of us have survived something, because stories are signposts from the past that give us clues about the future."

https://cac.org/daily-meditations/listening-to-the-stories/

Para mim, no silêncio e na solidão, não há história mais importante e decisiva que a da minha vida. Nem mais intransmissível. Provavelmente porque nem a leitura que faço do meu passado é definitiva. Aliás, é tudo menos definitiva. É feita sobretudo de perceções sobre acontecimentos, relevando uns e desvalorizando outros mediante a dor ou a alegria que provocaram, assim mesmo, nesta ordem. Mas é também feita das leituras sucessivas que vou fazendo à medida que vou vivendo, que vou envelhecendo, que me vou apropriando dos ensinamentos que a vida me vai proporcionando e me permitem deitar olhares sobre o meu passado, iluminando-os de maneira diferente. Sim, há alguns factos, alguns acontecimentos que vejo clara e distintamente e outros que estão permanentemente envoltos naquela névoa que apenas permite o vislumbramento dos vultos. E estes são os decisivos, os marcantes, os que me visitam o sono e dominam o sonho, recorrentemente. Estes são aqueles cuja explicação eu procuro, em vão, acabando a gaguejar ainda mais que o costume quando os tento transformar em palavras, em algo que possa ser minimamente inteligível para mim e transmissível para os outros. Estes são aqueles que, invariavelmente, acabo por calar pela falta de racionalidade e excesso de sentido. Estes são aqueles que permanecem, constantemente sucessivamente, inapelavelmente, cuja clareza eu procuro.

20240802

202408021125

Gosto dos Jogos Olímpicos. Desde miúdo que me fascinava a capacidade destes super homens e mulheres capazes de desafiar os limites com uma facilidade que me espantava sempre. Nem que eu vivesse cinco vidas conseguiria metade do que eles conseguem. Este ano tenho estado atento não tanto às suas batalhas físicas, mas às outras. Para além das alegrias, existem as dores. Para lá dos ganhos, as tremendas perdas. Por trás dos sorrisos, lágrimas e superações e renúncias para mim inimagináveis. Por isso, tenho um tremendo respeito por todos os atletas, quer tenham medalhas ou não, quer tenham chegado aos Jogos ou não. Refastelado no meu sofá, que mais posso fazer a não ser agradecer por nos representarem? Mas não é só a eles: são inúmeras as associações, os clubes de bairro que, graças à carolice de muitos, proporcionam as condições mínimas para que se possa competir. Eu também andei com os meus filhos pelo futebol, andebol e equitação e também eu gastei fins de semana e combustível para levar uns e outros às competições. E sempre fui grato aos dirigentes que se dedicavam de alma e corações à organização dos desportos dos meus filhos. Infelizmente, não é graças ao desporto escolar que eles chegam aos patamares competitivos, até porque imensas escolas carecem de equipamentos. E enquanto isso não acontecer verdadeiramente, enquanto o desporto não for assumido pelas políticas de ensino como uma disciplina fundamental para a saúde e educação dos nossos filhos - e netos - é mesmo de super homens e super mulheres que se trata. 

202408021009

 
 
Tenho lido, não sem algum espanto, a revolta de alguns católicos sobre o acontecimento espelhado por esta imagem. e tenho dificuldade em entender. Também tenho lido a fúria da cultura do cancelamento sobre as obras de Marko Rupnik por causa dos abusos de que é acusado. Parece-me que na base está o mesmo fenómeno: o endeusamento da arte, esquecendo que os artistas são pessoas quase sempre desafiadoras do seu tempo, mas são pessoas. 
Sempre que estou no Vaticano lembro-me de uma conversa com um aluno. Tínhamos estado juntos, nesse ano, em Taizé e, cá fora, disse-me "isto é belíssimo, mas é um museu. Igreja, para mim, é muito mais Taizé". Não podia concordar mais com ele. Arte é arte. É enorme, é tremenda, arrepia-nos o âmago, questiona-nos e aos nossos fundamentos, irrompe o comum, o quotidiano, transporta-nos muitas vezes para outro patamar. Mas é arte. Lembro-me dos imensos debates a propósito do Código Da Vinci, como se Dan Brown fosse um novo Moisés e não um artista que escreveu um livro. Mais, como se a última ceia de Da Vinci encerrasse em si uma verdade divina e não fosse um mero belíssimo quadro. 
Eu gosto muito de arte. Gosto imenso quando vou ao CCB e o guia me ajuda a ver o que, sem ele, me passaria completamente ao lado. Todos os dias me deixo espantar pela fotografia, pela música, pela literatura, pela escultura, e por tantas outras formas de arte, como o riso ou a arquitetura. Todos os dias me espanto pela enorme capacidade - pelo tremendo dom - que alguns têm e arriscam revelar aos outros, sujeitando-se às críticas, muitas vezes impiedosas, que incidem sobre algo que lhes saiu das entranhas. Mas não os endeuso. Nem aos artistas nem às suas obras. Não acredito que sejam particularmente abençoados por Deus, porque acredito que todos somos abençoados por Deus. Acredito que algumas das suas obras me educam o olhar sobre a realidade e, nessa medida, me aproximam de Deus, mas outras nada fazem para isso. Nem têm que fazer. 
Claro que também eu fico momentaneamente zangado ou chateado quando vejo referirem-se a algo que me é querido de forma abusiva ou enganadora. Claro que também eu insulto baixinho os que usam as minhas referências de vida para chocar e assim venderem mais. Claro que tenho direito à indignação. Mas não confundo isso com a profanação de Deus. Essa, da última vez que me envergonhou verdadeiramente, veio de dentro. E não foi cometida sobre obras de arte. Foi contra pessoas, as únicas imagens de Deus que o são de verdade. 
Só para colocar as coisas em perspetiva.

" São-lhe perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou;  mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama." Lc 7, 36-50 Há uns ...