20240628

202406281814

"Guarda: «Temos menos sacerdotes e, por isso, precisamos de valorizar, cada vez mais, os diferentes ministérios e serviços laicais nas nossas comunidades», afirma bispo"

https://agencia.ecclesia.pt/portal/guarda-temos-menos-sacerdotes-e-por-isso-precisamos-de-valorizar-cada-vez-mais-os-diferentes-ministerios-e-servicos-laicais-nas-nossas-comunidades-afirma-bispo/

Não entendo. Ou faço por não entender. Os leigos não são um mal menor. Nós não somos tapa furos ou remendos que, à falta de melhor, têm que funcionar. Nós, leigos, não somos chamados à Missão - onde quer que ela tenha lugar - apenas porque há poucos padres. Não é nada disso. Nós somos chamados à Missão porque somos batizados. E este nós é mesmo todos nós, homens e mulheres, consagrados ou leigos, mais novos ou mais velhos, mais à procura ou mais encontrados, mas com esta sede e fome comum que apenas pode ser saciada no encontro profundo com Deus e com os outros.

Quando irá a nossa Igreja levar isto a sério?

20240618

Para O Poço

 

“Depois de terem entoado os hinos, saíram para o Monte das Oliveiras. Disse-lhes Jesus: «Todos caireis em escândalo, porque está escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas serão dispersas. Mas, depois de Eu ter ressuscitado, irei à vossa frente para a Galileia». Pedro disse-lhe: «Ainda que todos caiam em escândalo, eu não». Disse-lhe Jesus: «Amen te digo: Tu, hoje, esta noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me negarás». Mas ele dizia com grande insistência: «Ainda que seja necessário eu morrer contigo, jamais te negarei». E todos diziam o mesmo.” Mc 14, 26-31

 

“Entretanto, estando Pedro em baixo, no pátio, veio uma das jovens servas do sumo-sacerdote e, ao ver Pedro a aquecer-se, fixou nele o olhar e disse-lhe: «Também tu estavas com o Nazareno, com Jesus». Mas ele negou, dizendo: «Não sei, nem entendo o que tu dizes». Foi, então, para fora, para o pátio anterior, e um galo cantou. A jovem serva, ao vê-lo, começou de novo a dizer aos que estavam ali perto: «Este é um deles!». Mas ele de novo negou. Pouco depois, os que estavam ali perto diziam de novo a Pedro: «É verdade que és um deles, pois também és galileu!». Mas ele começou a dizer anátemas e a jurar: «Não conheço esse homem de quem falais». E imediatamente, pela segunda vez, um galo cantou. Pedro lembrou-se, então, daquilo que Jesus lhe dissera: «Antes que um galo cante duas vezes, três vezes me negarás». E irrompeu num pranto.” Mc 14, 66-72

Todos conhecemos bem estas passagens descritas pelos 4 evangelistas: Pedro, que jurara fidelidade até á morte a Jesus, acaba por o negar três vezes, cheio de medo de que lhe fizessem o mesmo que ao Mestre.

Não há assim tantas passagens comuns aos sinópticos e a João, e o facto de este relato ser comum aos quatro evangelistas confere-lhe um atestado de autenticidade, que é reforçado pelo facto de Pedro não sair particularmente bem visto neste relato. Na realidade, é preciso uma humildade muito fora do comum para que alguém se permita ficar na história como aquele que, por cobardia, negou o seu Mestre, o seu Líder, o seu Amigo. Se assim o desejasse, Pedro, como responsável pela Igreja emergente, teria poder suficiente para refazer a história, para argumentar, para dizer “não foi bem assim”, e reescrever para si um outro papel, mais heroico, mais consentâneo com aquele que desejamos todos, uma forma – verdadeira ou não – de ficar bem visto na fotografia. E estes relatos teriam desaparecido. Mas Pedro não o quis.

Uma das coisas que as passagens acima revelam é que Jesus conhece bem quem tem diante de si. Jesus conhecia os corações daqueles que Ele escolhera, sabia das suas virtudes e limitações – não os mandara à cidade arranjar mantimentos para que não perturbassem a conversa com a Samaritana? – sabia da sua generosidade, das suas dúvidas, sabia que não entendiam muitas coisas nem estariam preparados para o que viria a acontecer. E sabia muito bem que Pedro, aquele espalha brasas, por vezes colérico, por vezes temeroso, tinha uma ideia errada de si mesmo: acreditava que podia tudo, que conseguiria fazer e desfazer mundos e fundos à custa da sua coragem, da sua têmpera, de si próprio. Pedro, como se diz agora, vivia cheio de si.

Tenho o pranto de Pedro, depois de negar Jesus, como o momento da sua verdadeira conversão. Na verdade, não me é muito difícil perceber o que lhe passaria pela cabeça naquela altura: a profunda vergonha sentida pela negação do Mestre apenas confirma e reafirma a vergonha de si próprio quando, desnudado pelos acontecimentos, se confronta consigo mesmo. Naquela altura, esse abrir de olhos é extremamente doloroso e devastador: “eu não valho nada, eu não sou digno de ser amado”. É a Paixão de Pedro, o momento em que mergulha na dor profunda, indizível e solitária de quem se sente completamente perdido. No entanto, tal como acontece connosco, é esse bater no fundo que lhe permite libertar-se de si próprio, é a sua Pessach, a sua passagem, a sua libertação, o mergulho nas águas da fé que lhe permitem nascer de novo, esvaziado de si para poder ficar cheio de Amor.

Pedro, no entanto, perde a imagem de si, mas não perde a esperança, que se começa a revestir de fé. Por isso internamente espera, e corre ao primeiro sinal que as mulheres lhe trazem, e acredita, de uma maneira nova, que algo de maravilhoso está para acontecer. Por isso Pedro reconhece Jesus na margem do Tiberíades e, sem poder esperar, se lança ao mar para ir ao Seu encontro. O diálogo que se segue é maravilhoso, é a ressurreição de Pedro:

“Depois de terem comido, disse Jesus a Simão Pedro: «Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?». Disse-lhe: «Sim, Senhor, Tu sabes que sou teu amigo». Disse-lhe Ele: «Apascenta os meus cordeiros». Disse-lhe de novo, pela segunda vez: «Simão, filho de João, amas-me?». Disse-lhe: «Sim, Senhor, Tu sabes que sou teu amigo». Disse-lhe Jesus: «Pastoreia as minhas ovelhas». Disse-lhe pela terceira vez: «Simão, filho de João, és meu amigo?». Pedro entristeceu-se por Jesus lhe ter dito pela terceira vez: «És meu amigo?» e disse-lhe: «Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que sou teu amigo!». Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas. Amen, amen te digo: quando eras mais novo, a ti mesmo te vestias e andavas por onde querias; mas, quando envelheceres, estenderás as tuas mãos e outro te vestirá e levará para onde não queres». E, tendo dito isto, disse-lhe: «Segue-me».” (Jo, 21, 15-19)

Podemos, com facilidade, perceber a diferença que ecoa na voz de Pedro: o voluntarismo irrefletido deu agora lugar ao comedimento, à simplicidade, à humildade tão profunda que Pedro é incapaz de dizer a Jesus, àquele que sabe tudo, que o conhece intimamente, que O ama. É justamente esse despojamento de Pedro, anteriormente tão familiar a Jesus quanto desconhecido do próprio, que tem como consequência o mandamento de Jesus: “apascenta as minhas ovelhas”. Um despojamento que fará de Pedro o servidor que será levado para onde não quer até ao momento em que, envelhecido, será vestido por outro, um dos paradigmas atuais da fragilidade.

Gosto muito de São Pedro. Gosto do seu voluntarismo, do seu coração, da força que emana das suas palavras e da sua capacidade de entrega. Sempre me inquietou o facto de Jesus ter confiado a Igreja a Pedro e não a João. As passagens bíblicas que estão neste texto ajudaram-me a tentar perceber o motivo: a Pessach de Pedro, a sua passagem, a sua Páscoa é a nossa Páscoa. Pedro persistia em apresentar-se diante de Jesus ainda coberto das suas convicções, porventura tentando esconder-se de si próprio, evidenciando a sua imagem, esquecendo que Ele conhece o nosso íntimo e que nos ama assim mesmo, exatamente como somos. Pedro, no fundo, não confiava no Amor radical do Pai, tal como nós não confiamos. Enquanto formos cheios de nós, enquanto confiarmos nos nossos recursos, nas nossas capacidades, enquanto não nos esvaziarmos de nós próprios, dessa imagem egocentrista que, hoje, é tão socialmente cultivada, não daremos lugar a Jesus. Estou convencido que este é um dos motivos por que somos cada vez menos na Igreja: ainda estamos na fase da negação.

20240617

202406171346

Ter muito que fazer para ontem afasta-me do essencial. Transforma-me em mera ferramenta, em agenda, num qualquer mecanismo que tem uma tarefa a cumprir, e a seguir outra, e outra... Sei bem que são coisas que fazem parte do que faço - e um pouco de quem sou - e que é muito por causa delas que no final do mês tenho dinheiro na conta bancária. E não me queixo. Longe disso. Porque estas coisas, em mim, no meu trabalho, não são assim tão frequentemente assoberbantes. Normalmente, como acordo muito cedo, tenho tempo para desfrutar das minhas caminhadas, das minhas orações, dos meus pensamentos devidamente acompanhados pela minha música. E isso proporciona-me equilíbrio e, sobretudo, sorrisos interiores. Quando isso me falta, falta-me imensa coisa. Inclusivamente, não acho nada que faça melhor o que tenho que fazer, fico menos produtivo e, sobretudo, menos imaginativo, o que é fundamental para muito do que faço. É só perdas. Menos no tic da agenda. Essa fica feita. Next.

20240614

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Somos bons a colocar etiquetas, a catalogar pessoas, a encaixá-las em classes e subclasses organizando-as segundo aspetos que não têm em consideração a sua individualidade mas a nossa preguiça. 

Eu tenho a sorte de trabalhar com pessoas oriundas de muitos estratos sociais e por isso sei que as catalogações podem ser boas para objetos mas não servem para as pessoas. 

Hoje, os meus miúdos do RAIZ tiveram prova. E uma delas veio ter comigo e, com um sorriso do tamanho do mundo, partilhou comigo um papel escrito pela mãe, o que está acima deste texto. Não é por acaso que é uma menina feliz, equilibrada, com os valores certos no lugar certo: é amada e sabe que é amada. E como isso é importante!

Não gosto de catalogações. Gosto de pessoas, de olhos, de sorrisos e lágrimas, mas de pessoas, autênticas, concretas, diante de mim. Claro que volta e meia também catalogo - não sou mais nem menos que ninguém - mas a vida cedo se encarrega de me acordar à lambada. Como hoje. E fico mesmo feliz com isso. Pela mãe, pela filha, e pela certeza que o amor acontece quaisquer que sejam as circunstâncias. 

Hoje ganhei o dia :-)

20240613

202406131008

Ao passar de um corredor a outro, ouvi vozes de crianças a cantar na portaria. Dirigi-me para lá e parei a escutá-los. Era um dos nossos coros de crianças. Abençoado lugar de trabalho onde podemos nos deparar com o belo ao virar da esquina. Particularmente numa altura em que estamos todos mergulhados nos papéis e a maioria dos professores no stress das correções, avaliações e reuniões finais. São momentos muito difíceis para os professores, que acompanham os alunos durante vários anos, os conhecem bem e às suas circunstâncias, e têm que os avaliar com justiça. Não é um equilíbrio fácil, rouba sono à noite, e causa um desgaste suplementar numa altura em que o cansaço é palavra de ordem. Também por isso, escutar um coro de crianças tem este efeito de nos recordar que a vida é muito mais que a batalha que travamos em cima da secretária. E trabalhar num lugar que, a cada momento, nos permite recordar o lado Belo da vida, é um verdadeiro privilégio.

20240612

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Acabo de ler que o Fernando Santos, com 69 anos, vai treinar o Azerbaijão. E dou comigo a pensar: o que pode levar alguém que, calculo eu, não precisa de dinheiro, a escolher ir para o Azerbaijão trabalhar e não ficar em casa com as pantufas calçadas? Só pode ser por paixão, claro. Muita paixão. Eu tenho dificuldade em entender esse nível de paixão pelo trabalho. E eu adoro o que faço, note-se. Mas é, ainda assim, trabalho. Calculo que, uma vez reformado, até nem faça coisas muito diferentes das que faço agora. Mas fá-las-ei por puro gozo, quando quiser, como quiser e com quem quiser. Espero - anseio - ter zero chatices, zero compromissos daqueles que nos obrigam a  dar o que temos e o que não temos e, finalmente, poder ter descanso: acordar quando me apetecer, deitar quando quiser, ler e ler e caminhar e ler. Assim Deus me ajude.

20240605

202406051616

Tenho destes dias, em que o profano me diz mais que o sagrado. Normalmente são dias em que, ou acordo zangado ou alguma coisa me põe zangado logo depois de acordar. São dias de pavio curto. em que não tenho grande pachorra para rodriguinhos e me apetece ir direito ao assunto. São dias de dessintonia, de algum desencanto, de copo mais vazio que cheio, o que não é muito comum em mim. Por isso, nestas alturas a minha oração é tudo menos natural, é arrancada, é consciente, é conscientemente forçada, como se tivesse que cumprir calendário. E é, por isso mesmo, invariavelmente péssima, feita de palavras e não de vida.

 

20240604

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O "faça-se em mim" de Maria está ligado ao "faça-se" de Deus no início da Criação. E está ligado ao contínuo fazer de Deus em mim próprio. Este é um contínuo, uma realidade, que apenas eu posso impedir que aconteça. Como? Não dando tempo para o silêncio, não parando, vivendo na sofreguidão dos acontecimentos e não na serenidade da escuta. Escutar-me liga-me ao transcendente que me habita; escutar o outro é, por isso, mais que escutar a sua humanidade: é permitir o mútuo encontro na transcendentalidade que nos une.

20240603

202406031612

Sou contra o aborto. Ponto. Sou-o desde sempre. A base da minha posição é simples: acredito que a vida começa com a conceção. Logo, não é lícito matar seja quem for para que a minha vida possa ser, eventualmente, melhor. Já tive horas de discussões acesas olhos nos olhos e online a propósito deste tema. Já não tenho. Porque este tema não é passível de discussão. Assim, quando alguém quer conversar comigo acerca disto, eu pergunto: quando acreditas que começa a vida? Porque este é, ainda, um ponto passível de discussão. Não conheço prova científica do início da vida, conheço aquilo em que acredito: que Deus tem um nome e um sonho para cada um de nós. Mas isso é aquilo em que eu acredito, também por causa da fé. E ninguém é forçado a acreditar naquilo em que acredito. Por isso, não há discussão neste ponto. Há crenças. E as crenças podem ser conversadas, partilhadas, não devem ser dirimidas. Aquilo em que acredito pode e deve ser partilhado com outros. Mas assim como não permito a ninguém que me impeça de acreditar, não me passa pela cabeça fazê-lo a quem acredita em algo diferente.

Agora vamos à segunda parte: sou contra a penalização contra o aborto. Aos motivos acima apresentados, adiciono outro: acredito que, para muitas mães, é uma dor imensa verem-se na inevitabilidade do aborto. Acredito que isso seja assim mesmo para aquelas que aparentemente se referem à IVG com laivos de leviandade. Muitas vezes defendemo-nos da dor encobrindo-a de nós próprios, subterrando-a sob os mais variadíssimos argumentos. E a última coisa que quero - e a que tenho direito - é de acusar uma mulher que, muitas vezes em circunstâncias que estou longe de imaginar, se vê perante uma inevitabilidade da escolha da dor que menos dói.

Posto isto, é para mim muito claro que o aborto não pode ser um direito fundamental. Não se pode considerar a morte de alguém um direito fundamental. Ponto

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...