20231023

Ultimamente tenho andado a pensar que as questões da moral, na Igreja ou fora dela, deveriam ser exclusivamente auto impostas. Que tudo o que não seja aplicar em mim e não nos outros, tem forte tendência para a asneira. 

Já estou cansado de saber como a vida me finta. Em mim aplicam-se na perfeição os telhados de vidro ou o cuspo para o ar que inevitavelmente me cai no meio da testa. têm sido imensas as situações que, em alguma altura da vida me arroguei a dar postas de pescada e agora apanho com elas nos queixos. Sempre que isso acontece, encolho-me todo de vergonha e rezo duas coisas: que eu não volte a repetir; que as pessoas visadas por essa minha arrogância já a tenham esquecido. 

Gostaria de pensar que esta é uma coisa que vai passando com a idade, mas não é verdade. Basta-me estar um pouco mais cheio de mim e lá caio na esparrela de mi próprio. Ontem, na eucaristia, rezava isso: vou esforçar-me mesmo por aplicar apenas a moral a mim próprio, porque apenas eu e Deus conhecemos as minhas idiossincrasias, as minhas dificuldades, os meus percursos interiores, as motivações das minhas manifestações exteriores do que sou. No que me diz respeito: exigência; no que aos outros diz respeito: acolhimento. 


20231019

Dizia eu ontem a um miúdo - estou na idade em que todos abaixo dos 30 são miúdos - que o "Para Sempre" me assusta. E desde sempre que assustou. Porque este sempre nem sequer é exatamente verdadeiro quanto ao passado - provavelmente houve alturas em que o para sempre não me assustava assim tanto - quanto mais quando perspetivamos ou nos comprometemos com o futuro. O Para Sempre é a manifestação de um desejo e, nas melhores hipóteses, um compromisso. Mas na verdade não faz grande sentido. Porque nos aprisiona, porque nos rouba a liberdade de, a cada dia, podermos escolher, porque nos obriga a cumprir algo que foi decidido ao passado independentemente das circunstâncias do presente. E eu, se aprecio imenso o compromisso, não gosto da obrigatoriedade. Há uns anos pediram-me para fazer um breve discurso para dois amigos que tinham casa há pouco tempo. E eu, de improviso, disse-lhes que não acreditava em casamentos para sempre, mas em casamentos de todos os dias. Porque é todos os dias que vivemos, é todos os dias que fazemos escolhas, é todos os dias que nos comprometemos ou não, é todos os dias que fazemos o balanço do que tem sido a nossa vida até ali e projetamos o amanhã. Claro que não renascemos a cada dia nem apagamos a nossa história assim que adormecemos. Seria terrível se isso acontecesse. Claro que há pessoas que estão e estarão na nossa vida para sempre, por pouco que as consigamos ver no quotidiano. Claro que há corações e almas e interiores que habitamos e temos o privilégio de sermos habitados por outros. E que isso acontece, dias a fio, semanas a fio, anos a fio, com cada um dos que nos habitam a montarem tenda cá por dentro. Mas nenhuma dessas pessoas que me habitam decorre do Para Sempre mas das boas e más memórias, das longas ou curtas conversas, dos gestos, dos olhares, da caminhadas que a vida nos permitiu.

20231016

Eu digo, muitas vezes, mais ou menos em tom de brincadeira, que me orgulho do meu lado feminino. E sempre que o faço em tom de brincadeira é com o intuito de me colocar em bicos de pés, é porque reconheço uma qualquer característica ou dom que eu não tenho e que, não sendo exclusivo dos homens - assim de repente não me recordo de alguma coisa do foro psicológico que seja exclusiva de homens ou mulheres - consigo perceber que é mais numerosa nas mulheres. Eu não acho nada que homens e mulheres sejam a mesma coisa. Mas também não acho que o Joaquim e o Manel sejam a mesma coisa. Mesmo numa relação, qualquer que seja a forma com que se reveste, há diversos papéis que são desempenhados alternada ou simultaneamente, porque ninguém é igual a ninguém, Graças a Deus! Daqui decorre a minha tremenda dificuldade em entender todas as questiúnculas que, de ambos os lados da barricada, ocorrem frequentemente. Irrita-me solenemente - porque acentua a diferença - o portugueses e portuguesas dos discursos políticos, por exemplo, ou dizer que Deus veio para os homens e as mulheres... Claro que, sendo eu homem, nunca me senti afetado por esta linguagem, mas aprendi - com mulheres, claro - que ela pode ser importante. A questão é que nós tomemos consciência que as mulheres toma parte, são parte, fazem parte, e uma parte tão importante quanto qualquer outra. Para mim, no entanto, esta ainda é uma não questão. 

Tenho acompanhado o sínodo com as dificuldades de quem não tem acesso direto aos discursos e documentos  - desconfio sempre! - e também, naturalmente, a temática das mulheres dentro da Igreja. E como percebo a sua luta! Graças a Deus, trabalho num Instituto feminino e não entendo como podem as mulheres com quem lido todos os dias ser vistas mais ou menos de esguelha seja por quem for e por que motivo for. Nada justifica. E quando leio que será mais fácil termos homens casados que acedam ao sacerdócio que mulheres, sei que vou ter grandes dificuldades ao jantar para tentar explicar isto às minhas filhas. E que será mais um motivo para elas não se sentirem inteiras na Igreja. Sim, estamos num abençoado e há muito desejado processo de limitarmos o clericalismo e não convém meter pedras na engrenagem, mas ser sacerdote é servir e não entendo como as mulheres têm mais dificuldade em servir que os homens. Ou o motivo é outro? (pergunta retórica). No meu quotidiano eu sirvo e sou servido por pessoas e profissionalmente coordeno e sou coordenado por pessoas, e a minha preocupação não é, de todo, se uns e outros são mulheres ou homens ou altos ou baixos ou o que quer que queiram ser na sua liberdade de Filhos do mesmo Pai, mas se o seu olhar brilha. Quaisquer que sejam as suas circunstâncias. E as suas escolhas.

20231013

Por estes dias, sigo o Sínodo com muita atenção. É muita a expectativa, embora não demasiada, porque destas coisas vou percebendo o suficiente que os passos pequenos são importantes mas exasperantes. Sobretudo para a muita malta nova com quem tenho conversado - a começar pelos meus, lá em casa - que aspiram a muito maior firmeza e rapidez. O que é curioso, porque o que sair destes dias - sobretudo o que sair depois da segunda parte do sínodo, que irá ser discernida em outubro do próximo ano - será mais vivido por eles que por mim, que já não estarei a tempo de saborear as mudanças que, espero e desejo, daí virão. E o facto de eu e outros como eu estarmos já numa outra fase da vida não é despiciente em todo este processo de evolução da Igreja. O Concílio Vaticano II terminou por volta do ano em que nasci e, sobretudo depois de ter sido metido na gaveta com João Paulo II, só agora começa a ser intencional e abertamente recuperado. Tivessem as coisas corrido de outra maneira e provavelmente já veria homens e mulheres casados chamados ao sacerdócio. Aquilo que, considerando o processo evolutivo da História da Igreja, levaria talvez duas gerações a ser alterado, levará assim pelo menos mais uma, o que me deixará a assistir de cadeirinha, lá por cima (espero eu!). Mas, como tenho dito aos meus filhos, tem sido bom perceber como aquilo que eu intuía e defendia, praticamente só e reduzido à minha insignificância, hoje seja escrito e dito em voz alta e nos mais diversos lugares eclesiais. Acredito, cada vez mais, que tenho combatido o bom combate, - mais uma vez, insisto, no espaço consciente da minha insignificância - por uma Igreja mais próxima do Evangelho de Jesus.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...