fagilidades

Tenho a sorte de trabalhar num sítio de fragilidades. De e com pessoas com uma carência de tudo: amor próprio, perspetiva de vida, sentido, objetivos, motivações, não falta nada no cardápio da miséria humana. Pessoas que nem sequer andam já à procura, tal é o desânimo e a perda. Nem sabem sequer que perderam porque já não têm há tanto tempo que esqueceram que alguma vez tiveram. Dos miúdos que chegam às nossas mãos, por volta dos seis anos, quando entram para a escola, perdemos sempre demasiados. Quando chegam aos pós 15, perdemos com certeza muitos mais que aqueles que conseguimos agarrar, com ambas as mãos, com muita força, muitas vezes sendo apenas nossa a única vontade de os retirar dos escombros da vida. É, por isso, muitas vezes, uma batalha inglória, em que temos que lidar com a perda e a frustração e o nosso próprio desânimo. Que se agudiza quando, numa das alturas como esta em que, chegando já cansado ao trabalho, me deparo com o olhar sempre doce e meigo - e completamente perdido - de um dos nossos miúdos, agora adulto e pai de filhos, que se arrasta na venda e consumo de droga. Andará, agora, na casa dos trinta, mas o que vejo sempre que o vejo - e fico sempre feliz quando o vejo - são aqueles olhos doces, meigos e completamente perdidos de menino traquina com quem tive grandes conversas. e que baixam agora quando me vê e o interpelo, a sorrir, e sorri de volta apenas quando lhe pergunto pelo filho e responde perguntando pelos meus. "Já sou avô, vê lá tu" "que bom, stor, grande abraço!" 

Sou todo cheio de faladuras, de teorias, de leituras, de aprendizagens, e todas as faladuras se calam quando estou diante daquele olhar. Tudo o que leio, tudo o que aprendo, tudo o que julgo que sei se desmorona diante daquele e dos outros olhares que rodeiam o Espaço e que são nossos, são ainda nossos, apesar de estarem colocados em caras gastas e chupadas de miúdos de vintes e trintas e pais de filhos mas que nunca deixam de ser nossos. Os olhos, os miúdos, as suas vidas, as suas fragilidades.

É. Tenho a sorte de trabalhar num sítio de fragilidades. Que é pródiga em me dar chapadas na cara e em me dizer que somos, que eu sou, fragilidade. Tudo o resto é conversa para entreter meninos.

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