Recentemente, acusaram-me de, teimosamente, pedir o impossível. Sem pensar, respondi que, se não sonho o impossível valerá a pena sonhar? Tinha respondido imediatamente, naquela, em mim, demasiado frequente via que vai do coração à boca sem dar a volta ao circuito cá por cima, como deveria ser. E ficou a pairar, como invariavelmente fica o surpreendente, cá por dentro, à espera da luz que lhe dê sentido - é curioso como eu, muitas vezes, procuro o sentido do que digo apenas depois de ter sido dito e não o contrário, que é o que faz o sensato. 

Quando digo uma coisa destas - e sobretudo desta maneira - faço-o instintivamente, e a sua origem normalmente reflete o que me acontecia antes de saber que deveria pensar o que me acontecia. Na verdade, sonhei sempre o impossível, desejei e batalhei sempre pelo impossível, enquanto me entretinha a viver a realidade que a vida me tinha destinado. Sim, porque há uma realidade que é inalterável: não alteramos o lugar onde nascemos e crescemos, não alteramos a família, não alteramos as nossas circunstâncias sociais, as pessoas que, até determinada altura nos rodeiam. Algum desse entorno em que estamos mergulhados podemos alterar mais tarde, quando fazemos as primeiras escolhas - no meu caso muitas vezes mais ou menos inconscientes, aprendidas e absorvidas nos imensos livros que ia lendo - mas as pessoas que deram e fizeram a nossa vida, a não ser que estejamos dispostos à rutura definitiva - e eu nunca estive - são-nos tão constitutivas quanto nós próprios. São âncoras, desempenhando o duplo papel das âncoras que, se nos prendem ao seguro, também nos impedem de levantar voo rumo ao sonho de futuro. Nestas circunstâncias, que foram e são as minhas, o futuro que sonhamos ganha um lugar absolutamente fundamental para que consigamos ver para além do que se nos apresenta diante do olhar. 

O curioso é que a vida que, em termos profissionais, me caiu no colo, veio possibilitar este encontro do sentido naquilo que eu, intuitivamente, sempre fui sendo. Agora, quase todos os dias, encontro - e se não encontro, instalo - nos miúdos do bairro esse sonho de futuro que as suas circunstâncias teimam coartar. E confirmo, todos os dias, como o sonho desempenha um papel absolutamente fundamental no despertar do seu desejo de ir mais além.

Sim. Eu sonho. Ainda sonho. E reafirmo o que, sem pensar, me saiu: se não sonho o impossível, valerá a pena sonhar?

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