Shikata ga nai: a antiga sabedoria japonesa de deixar as coisas acontecerem como elas acontecem

Gosto imenso quando a vida vem ter comigo. Todos os dias percorro leituras muito dispersas, na sua origem e formato, nas suas temáticas, no mundo muito particular que cada leitura - sobretudo se bem escrita - transporta consigo. Imensas vezes, fruto da idade e da profusão das leituras, daí não me vem grande novidade. Apesar de aproveitar um pouco aqui e acolá como uma ave que debica sementes num parque - sim, eu sei que migalhinhas é pão, mas eu sou um homem de sustento - vai sendo cada vez menos comum encontrar algo que se me ajuste, em cada circunstância, como um fato de alta costura. Mas às vezes, quando os astros se alinham - ou quando eu mais preciso que eles se alinhem - acontece. E hoje aconteceu. 

Gosto da ideia de deixar a vida fluir, como se de um rio se tratasse, e nele mergulhássemos, de corpo inteiro. Gosto da ideia de haver um antes e um depois de cada um de nós, de sermos, simultaneamente, precursores e herdeiros. Gosto da ideia de mergulharmos em águas vindas de outros em cuja sabedoria mais ou menos reconhecida somos banhados. Gosto da ideia da pequenez da diferença que fazemos nesse rio - que depois de nós passa a ser algo diferente, mas será sempre um rio, retirando-nos o peso excessivo que por vezes, por soberba, nos atribuímos. Gosto da ideia de a vida volta e meia nos apresentar como melhor solução o deitarmo-nos de costas, relaxarmos, seguirmos a corrente e deixarmos que a vida nos conduza, olhando o céu, recuperando energias, aproveitando a viagem, confiando naqueles que nos amam e nos cuidam.

Algumas vezes, deixar fluir é rendição, daquela que nasce do cansaço de quem não pode mais. Outras, porém, será sabedoria, daquela que nasce da consciência humilde de quem sabe que não se pode tudo. O que as separa? A dor, provavelmente. Se é apenas minha, eventualmente estarei no caminho certo. Se é infligida, se a provoco, sobretudo se é reiterada, será, então, eventualmente, tempo de perder o medo de questionar, e deixar de insistir, e largar. 

E deixar que a vida aconteça.

https://www.pensarcontemporaneo.com/shikata-ga-nai-a-antiga-sabedoria-japonesa-de-deixar-as-coisas-acontecerem-como-elas-acontecem/


Comentários

Mensagens populares deste blogue