... a propósito daqui: 

https://hospedeignorado.blog/2021/06/13/eu-e-o-bruno/

Não era Bruno, era Gusto. Brincamos muitas vezes juntos, lá no Bairro. Chegamos a rezar juntos, num dos retiros que eu organizava e no qual ele participou. Uns meses depois, numa das minhas saídas de rua do PAS – na verdade a última, pois foi aí que o copo transbordou – deparei-me com ele quando, na paragem de São Bento, lhe dei o saco da comida. Ficamos em silêncio, ambos envergonhados, ambos surpreendidos, desagradavelmente surpreendidos, porque nenhum de nós queria estar naquela situação. Viria a morrer escassos meses depois, com overdose. Uma morte anónima, da qual apenas tomei conhecimento, por acaso, algum tempo depois “sabes o Gusto?...” 

Durante muitos anos acompanhou-me a sensação que, com toda a naturalidade, poderia ter sido eu. Bastar-me-ia ter dito outra coisa diferente, ter escolhido outra coisa diferente, ter decidido outra coisa diferente, ter tido outra pessoa, diferente, por companhia. Durante muitos anos, sentia a culpa, que vinha juntamente com a notícia da morte do Bel, do Mindo, da Rosa, da Zeza, do Mário... e tantos outros companheiros de escondidinhas na rua até às tantas naquelas noites de verão quando ambos eram sem fim. A algumas eu via nas esquinas da Rua Formosa com o mesmo à vontade com que eu regressava a casa. E conversávamos, brevemente, “os teus pais?” “cinco filhos... quem diria que um cepo como tu...” 

Sempre foi muito claro para mim que poderia ser eu a estar ali, na rua, na noite, numa qualquer esquina da vida. Talvez por isso ainda hoje me sinto um puto embasbacado numa loja de brinquedos, ainda vivo completamente maravilhado pela vida, pelo imenso que me é dado para viver. E é certamente por isso que todos os dias dou Graças. Não por ser especial de corrida. Mas por, em tantos e tantos momentos – ainda hoje! - ter tido quem me impedisse de enveredar pelo outro lado da vida. É que teria bastado uma desatenção, um cansaço alheio, um momentâneo desinteresse e, algum tempo depois, alguém diria “sabes o Zé?...”


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