20210629


 55 anos! Quando era pequenito, as pessoas com 55 anos eram velhotas. E sábias. E resolvidas. Ou então eram tidos por mim como adultos esquisitos que tinham a mania que eram novos, o que era horrível. Pior, muito pior, que uma pessoa de 55 a queixar-se como se tivesse 65 é estar convencido que tem 35. Isso é ainda mais idiota que quando tinha 15. Eu fiz 55. 

Ainda hoje, numa deliciosa e peripatética conversa, disse que estou mais perto dos 60 que dos 50, e isso deixa. naturalmente, lastro. Começo a ver e a sentir de maneira diferente, a desejar outro tipo de coisas, a programar outro tipo de futuro, onde a serenidade seja a palavra de ordem. A correr bem, terei mais 10 ou 12 anos de vida profissional ativa, cuja saída convém, por mim e por aqueles a quem sirvo, ir preparando. Tranquilamente, com tempo, calma e a sabedoria possível. 

Ainda ontem, numa deliciosa viagem de regresso de uma longa reunião de trabalho, falávamos disso, de ciclos, de preparação, de renovação, de dar lugar a quem possa fazer evoluir tornando ainda melhor o que já é bom. Nunca acreditei num Deus que escolhesse pessoas para serem especialmente abençoadas por dons ou capacidades sobre-humanas. Acredito, isso sim, num Deus que dá, que se dá, e a todos nos deu dons que escolhemos - ou não - tornar vida vivida pela dedicação, pelo empenho, pela superação própria motivada pelos outros, na descoberta de si e consequente entrega aos outros.. E acredito sobretudo em caminho. Comum, partilhado, aprendido e ensinado, como oportunidade e meio de crescimento. 

O dia não dá lugar à noite sem passar pelo entardecer e a noite vai-se deixando contagiar pelo amanhecer antes de dar lugar a um dia que, sendo inteiramente novo, não é inteiramente novidade, mas continuidade, percurso, parte de uma história que se quer melhor e em sentido crescente. 

Espero que seja assim a minha vida. 

Tento que seja assim o me percurso. 

Desejo que sejam assim as memórias de mim.

 

20210620


Nunca me tive como homem de grandes compromissos. Nas grandes coisas, sim, mas nas pequenas sempre fui muito volátil: quando gostava, gostava imenso, mas normalmente gostava por pouco tempo e não me custava trocá-las por outras que passava a gostar imenso. São inúmeros os livros que não terminei, os filmes ficaram a meio e as vezes que fiz e refiz a minha playlist de músicas no Spotify. À exceção da Special - que tem aquelas canções que me acompanham há vários anos - as outras vêm e vão com facilidade. 

Nos últimos anos, no entanto, algumas coisas têm mudado. Talvez porque estou mais atento e me esforço por levar os compromissos até ao fim, a gastar as minhas coisas até ao fim, a não desistir delas com facilidade. Pode ser. Mas não é só. A verdade é que vou percebendo que o meu critério é o da qualidade. E que mesmo nos meus objetos isso se verifica: se é bom, permanece, se não é bom, procuro sempre melhor. Há livros que leio desde sempre, uma e outra vez, há músicas que oiço desde sempre, há memórias que me acompanham desde sempre - e as pessoas que as habitam - e tudo isso eu conservo cuidadosamente, perenamente, indiferente a modas ou estados de espírito. A questão é que quando me deparo com o que é verdadeiramente bom, isso permanece e tudo o resto perde interesse. Quando estou satisfeito, não procuro mas saboreio.

Sou muito pouco de colocar etiquetas nos outros. Provavelmente porque poucas me sobram, depois de as aplicar quase obstinadamente em mim. E durante anos esta etiqueta do desistente me fez companhia, quase sempre de forma nefasta. Ouvi tantas vezes que eu não conseguia perseverar, não conseguia manter, não conseguia ser firme nos meus compromissos, que tudo em mim cedia à voragem do tempo - quase sempre com verdade - que acabei por me etiquetar dessa maneira. E na verdade fui assim em imensas coisas. Mas nunca o fui noutras. Naquelas que me são realmente importantes. Porque tenho esta mania que só vale a pena conservar o que vale a pena, que é estúpido manter o que quer que seja apenas por coerência ou teimosia. 

Fiz, ontem, 4 meses de exercício físico quotidiano. Apenas falhei um dia, quando todos me disseram que  seriam 15 dias até desistir. Já lá vão 119. Não por teimosia, não para provar o que quer que seja, nem sequer a mim próprio. Apenas porque é bom. Apenas porque me faz sentir melhor. Apenas porque é mais um dos aspetos da minha vida que melhora com o compromisso. E por isso o mantenho. 

Como tudo o que considero importante na minha vida. 

20210616

Estamos equivocados. Muitos de nós. A Verdade do Amor nada tem a ver com a passagem do tempo. Absolutamente nada! O Amor que está presente quando se estende a mão a um desconhecido em dificuldade em nada é menor que o Amor com que se escuta um amigo de longa data em dificuldade. Nada! O Amor primaveril que nos dá a conhecer as borboletas que esvoaçam quando conhecemos a nossa outra metade em nada é menor que o Amor com que, muitos anos mais tarde, nos embevecemos mutuamente achando belas as rugas que vemos um no outro.  O Amor incomensurável, indescritível e intensamente novo que nos revolve as entranhas quase até à náusea perante a notícia que vamos ter um filho em nada é menor que o intenso Amor que nos continua a revolver as entranhas quando o vemos, anos mais tarde, a fazer as suas escolhas, a cometer os seus erros, a viver a sua vida de corpo inteiro.  O Amor é do domínio do eterno, e o eterno do Amor não é o para sempre, mas o sempre, o sem tempo, o que inclui este fugaz, mas decisivo momento que é o agora e que, para o Amor, é o único momento que conta. Se eu não te amar hoje, aqui, agora, de nada te adianta ter-te amado a vida toda e muito menos a promessa de amor futuro. Se eu não te amar hoje, aqui, agora, tudo o que temos é a memória do Amor, não a vida intensa, latejada, visceral e avassaladora, do Amor. Claro que não somos meros instantes. Claro que sentimos a necessidade expectável de amar e de nos sentirmos profundamente amados, seguramente amados, prolongadamente amados. Mas essa é uma necessidade sôfrega, nossa, de cada um de nós, que decorre da consciência da nossa pequenez, da escassez do nosso tempo, da inevitabilidade da nossa própria finitude. Uma finitude que acaba assim que começa o Amor. Quando por ele (Ele?) nos deixamos habitar. A Verdade do Amor nada tem a ver com a passagem do tempo. Absolutamente nada! Deus não nos ama porque somos eternos. Deus faz-nos eternos porque nos ama! Porque a eternidade não é viver no amor. A eternidade é ser amor.

20210613


 

... a propósito daqui: 

https://hospedeignorado.blog/2021/06/13/eu-e-o-bruno/

Não era Bruno, era Gusto. Brincamos muitas vezes juntos, lá no Bairro. Chegamos a rezar juntos, num dos retiros que eu organizava e no qual ele participou. Uns meses depois, numa das minhas saídas de rua do PAS – na verdade a última, pois foi aí que o copo transbordou – deparei-me com ele quando, na paragem de São Bento, lhe dei o saco da comida. Ficamos em silêncio, ambos envergonhados, ambos surpreendidos, desagradavelmente surpreendidos, porque nenhum de nós queria estar naquela situação. Viria a morrer escassos meses depois, com overdose. Uma morte anónima, da qual apenas tomei conhecimento, por acaso, algum tempo depois “sabes o Gusto?...” 

Durante muitos anos acompanhou-me a sensação que, com toda a naturalidade, poderia ter sido eu. Bastar-me-ia ter dito outra coisa diferente, ter escolhido outra coisa diferente, ter decidido outra coisa diferente, ter tido outra pessoa, diferente, por companhia. Durante muitos anos, sentia a culpa, que vinha juntamente com a notícia da morte do Bel, do Mindo, da Rosa, da Zeza, do Mário... e tantos outros companheiros de escondidinhas na rua até às tantas naquelas noites de verão quando ambos eram sem fim. A algumas eu via nas esquinas da Rua Formosa com o mesmo à vontade com que eu regressava a casa. E conversávamos, brevemente, “os teus pais?” “cinco filhos... quem diria que um cepo como tu...” 

Sempre foi muito claro para mim que poderia ser eu a estar ali, na rua, na noite, numa qualquer esquina da vida. Talvez por isso ainda hoje me sinto um puto embasbacado numa loja de brinquedos, ainda vivo completamente maravilhado pela vida, pelo imenso que me é dado para viver. E é certamente por isso que todos os dias dou Graças. Não por ser especial de corrida. Mas por, em tantos e tantos momentos – ainda hoje! - ter tido quem me impedisse de enveredar pelo outro lado da vida. É que teria bastado uma desatenção, um cansaço alheio, um momentâneo desinteresse e, algum tempo depois, alguém diria “sabes o Zé?...”


20210609

 

Acredito que não serei caso único, mas serei, com certeza, aquele que está mais próximo de mim e por isso aquele sobre o qual poderei referir algo com maior propriedade. A verdade é que, no meu papel de educador, dou quase sempre aquilo que mais falta me faz. Que me é mais precioso. Que me seria de maior utilidade. Que, aplicado a mim, me tornaria melhor pessoa. Sei imenso sobre bons conselhos, sobre as posturas certas a adotar na vida, sobre o que é melhor fazer, quais as melhores referências, aquilo que é fundamental e o que é dispensável. Sei disso tudo e com tudo isso que sei consigo proferir um discurso articulado e adequado à situação e, sobretudo, a quem tenho diante de mim. O meu problema não é esse. O meu problema é que, se me estiver a escutar qualquer pessoa que me conheça mais ou menos bem rir-se-à, se não às claras, certamente para dentro. Na realidade, os meus conselhos normalmente são ótimos mas fico sem eles para mim. E como precisava de os seguir! Esta consciência aguçada entre o que efetivamente sou e o que poderia ser - se fosse mais cuidadoso, persistente e rigoroso - volta e meia arrasta-me para uma pesada culpa que me imobiliza e deprime. Outras vezes, porém, consigo perceber que esse é o meu caminho, é aquilo que me é dado a percorrer, lentamente, penosamente, com custos imensos para aqueles que me acompanham, e que não me posso dar ao luxo de desistir. Então vou dando uso a algumas estratégias - a dos AA: hoje não; ou a dos PPPs - Pouco, Pequeno, Possível - para ir tendo, pelo menos, a sensação que vou avançando, ao ritmo da canção passito a passito, mas pelo menos vou avançando. E sempre, sempre, com a ajuda daqueles que, em nome de Deus - ainda que por vezes não o saibam - me vão estendendo a mão e empurrando de volta ao trilho.

20210602

 Não me faltam excelentes motivos para viver mais que uma vida.

Desde miúdo que guardo livros para ler mais tarde e que afinal nunca mais li porque, entretanto, tenho outras músicas para ouvir e outros passeios para dar e outros filmes para ver e outras pessoas para conhecer e outros caminhos para descobrir, sempre com aquela sensação que o tempo não dá para tudo. Entretanto meteu-se a mais nefasta das nefastas coisas na minha vida, esse infindável de desconhecido que se chama internet, seduzindo-me constantemente com outros livros e outras músicas e outros passeios e outras pessoas e outra imensidão de coisas que eu adoraria fazer e que não sabia que adoraria fazer porque as não conhecia e do que não se conhece não há hipótese de se gostar quanto mais de se fazer. Todos os dias guardo isto para ler mais logo e aquilo para ouvir enquanto caminho e adio conversas que sei serem muito importantes para ambos tendo consciência que não terei tempo para o ler nem a serenidade para o escutar quanto mais a total disponibilidade interior para conversar o que deve ser conversado como deve ser conversado.

Paro. Respiro. Escuto. Sereno.

Zé: foi-te dada esta vida para viver. Hoje, aqui, agora, tens esta vida para viver. Tens esta imensidão. Uma imensidão à tua medida que Deus coloca à tua disposição para que dela desfrutes e ajudes a desfrutar. Mais tarde, virá a Sua imensidão. Onde tudo isto terá a devida importância. Onde o tempo não tem tempo, mas é tempo. Lá chegado, conhecendo-te como Ele te conhece, amando-te como Ele te ama, terás maneira de conseguires ler e escutar e ver e conversar e caminhar o que desejares, sempre que o desejares, e apenas quando o desejares. Se ainda for importante que o faças. Se não for... não percas tempo.

Respira. Escuta. Serena. Avança.

Tens a imensidão do dia à tua espera.

20210601


 Na minha vida, o re é mais, muito mais, que um mero prefixo: é a minha vida.

Hoje, como sempre fazemos, vínhamos a ouvir o Passo-a-Rezar. É uma excelente maneira de começar o dia sintonizado com o que mais importa, escapando à sensação que somos meros parafusos de uma engrenagem que nos ultrapassa. Assim, a sermos ultrapassados - e somos invariável e inevitavelmente ultrapassados - que seja pelo Amor, que está sempre presente quando rezamos. A oração de hoje propunha que ultrapassássemos a fragmentação e a apresentássemos a Deus, que Unifica. 

Imediatamente viajei atrás no tempo. Já me roubei inúmeros e dolorosos dias e noites justamente porque me sentia completamente fragmentado e perdido, dividido, sem saber o que ou quem me fundamentava, o que ou quem eu próprio era. Aterrorizava-me apresentar-me assim diante de Deus, esquecendo a mais elementar das verdades: que Ele me conhece de ginjeira e que, conhecendo-me, me ama. E, com Ele, todos aqueles por quem sou amado. 

Halik ensinou-me a identificar-me mais facilmente com Jesus Também para Ele o re era sinónimo de vida. Todas as conversas, todas as curas, todos os milagres, todos os encontros e desencontros tinham como pano de fundo esse diálogo entre autoconsciência e autoperdão, de quem sente que é chamado a ser mais do que é. Tenho para mim que essa era também a Sua batalha, que andaria algures entre o "ainda não chegou a minha hora" da Galileia e o "chegou a hora" de Jerusalém. Talvez por ter sido essa a Sua batalha, Jesus percebia tão bem a batalha que dilacerava aqueles que, porque a intuíam nele, O procuravam. Talvez por ter sido essa a Sua batalha Ele tenha escolhido Pedro, para mim o grande exemplo da distância entre o que se é e o que se deseja ser.

É esta a escolha que espero que Jesus faça, sempre. É com ela que conto, é nela que assenta a minha esperança profunda em cada dia que passa.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...