20210225

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Não é fácil amar à distância. Não é fácil prescindir do toque, do cheiro, do olhar sem filtros que nos assegura que está tudo bem, que estamos bem, que nos amamos, ainda que não o digamos. Não é fácil tentar descortinar, por entre mensagens, por entre conversas mais ou menos encriptadas, por entre ecrans, o estado de espírito daqueles que amamos. Não é fácil manter aquelas ínfimas e íntimas conversas sobre coisa nenhuma, que são as grandes conversas de quem se ama ao ponto de sentir necessidade de partilhar confortavelmente a coisa nenhuma, porque a vida de todos os dias é feita de inúmeras coisa nenhuma, e quando se ama o que se partilha é tão só a vida. Não é fácil superar a ausência do olhar in vivo, da voz in vivo, do calor in vivo, porque ainda que se invente o mais admirável objeto tecnológico que roube a distância, na verdade apenas fingimos que a distância não importa, que a presença do olhar, da voz, do calor, são completamente outras, incomensuravelmente mais intensas e verdadeiras, quando estamos ao alcance dos nossos dois braços que partem ao encontro um do outro.  

Não é impossível amar à distância. Porque o amor não se faz apenas da proximidade física, do embate de corpos, de olhares e cheiros e toques. Porque o amor não se faz apenas de encontros e desencontros mais ou menos fugazes, mais ou menos datados no tempo, mais ou menos condicionados pelas circunstâncias. Não. Não é impossível amar à distância. Porque o amor, o que arde sem se ver, é. O Amor é. Assim mesmo. É. E é para sempre.
 

20210218

Na Quaresma de Taizé

 

"A Quaresma é uma viagem que envolve toda a nossa vida, tudo de nós mesmos. É o tempo para verificar as estradas que estamos a percorrer, para encontrar o caminho que nos leva de volta a casa, para redescobrir o vínculo fundamental com Deus, do qual tudo depende. A Quaresma não é compor um ramalhete espiritual; é discernir para onde está orientado o coração. Aqui está o centro da Quaresma: para onde está orientado o meu coração"
 
Papa Francisco, Homilia da Missa das Conzas, 20210217
 
Aprendi a gostar da Quaresma. Aprendi que preciso da Quaresma. 
 
Aprendi-o na Quaresma de Taizé, onde fiz Quaresma e Páscoa tantas vezes, onde tantas vezes cheguei um e saí outro, totalmente novo, totalmente renovado. Foram anos de confronto pessoal, de luta intensa, onde me identifiquei muito com o Saulo caído do cavalo, de choro compulsivo e profunda alegria, de morte e ressurreição, de verdadeira e vivida Páscoa
 
Foi na Quaresma de Taizé, numa quinta-feira, que descobri, em Isaías 58, 9-12, aquela que é a minha passagem bíblica, o meu propósito, o meu desejo de ser, nunca alcançado, nunca alcançável, mas desde aí sempre almejado. 
 
Foi na Quaresma de Taizé que aprendi a ir olhando para mim, com olhos de ver, sem desculpas, mas com olhos de Misericórdia, da Misericórdia do Pai em cujos (a)braços me refugiei tantas quantas as vezes em que para ele regressei. 
 
Foi na Quaresma de Taizé que me refiz, que me reencontrei, que redescobri o amor e o que era ser, verdadeiramente, amado, e como precisava, profundamente, de me deixar amar. 
 

Este ano não terei Taizé. Tenho Quaresma. 

Tenho o recolhimento, tenho a leitura, tenho o silêncio, a mesma necessidade de amar e me sentir amado, apesar de a dor do desamor já não me habitar as entranhas. E tenho Isaías e a Palavra e a Oração e o Serviço. 

E a necessidade, sempre presente, de renascer, de recomeçar, de repensar, de redefinir. O rumo, o caminho, o ritmo, e, fundamentalmente, a verdade do que sou e vivo. 

20210217

20210217 THE ENEMY OF HAPPINESS

“It is quite impossible to unite happiness with a yearning for what we don’t have. Happiness has all that it wants, and resembling the well-fed, there shouldn’t be hunger or thirst.”

—EPICTETUS, DISCOURSES, 3.24.17

I’ll be happy when I graduate, we tell ourselves. I’ll be happy when I get this promotion, when this diet pays off, when I have the money that my parents never had. Conditional happiness is what psychologists call this kind of thinking. Like the horizon, you can walk for miles and miles and never reach it. You won’t even get any closer.
Eagerly anticipating some future event, passionately imagining something you desire, looking forward to some happy scenario—as pleasurable as these activities might seem, they ruin your chance at happiness here and now. Locate that yearning for more, better, someday and see it for what it is: the enemy of your contentment. Choose it or your happiness. As Epictetus says, the two are not compatible.

Palavras sábias, as de hoje. É claro que é bom desejar, é bom almejar, é bom não me contentar com o que já sou, já possuo, mas querer ser mais no final de cada dia. Mas não é bom desprezar o que sou e tenho, o já alcançado, o já construído. Sobretudo, não é bom o exacerbamento das expectativas, que são sempre excedentes da realidade. Olhar para a frente sim, desejar o futuro sim, mas saboreando o hoje, aqui e agora. E agradecendo-o. Sobretudo, agradecendo-o.

20210208

20210208 - ISSO FÊ-LO SENTIR-SE MELHOR?

DID THAT MAKE YOU FEEL BETTER?

“You cry, I’m suffering severe pain! Are you then relieved from feeling it, if you bear it in an unmanly way?”

SENECA, MORAL LETTERS, 78.17

The next time someone gets upset near you—crying, yelling, breaking something, being pointed or cruel—watch how quickly this statement will stop them cold: “I hope this is making you feel better.” Because, of course, it isn’t. Only in the bubble of extreme emotion can we justify any of that kind of behavior—and when called to account for it, we usually feel sheepish or embarrassed.
It’s worth applying that standard to yourself. The next time you find yourself in the middle of a freakout, or moaning and groaning with flulike symptoms, or crying tears of regret, just ask: Is this actually making me feel better? Is this actually relieving any of the symptoms I wish were gone?

The Daily Stoic, Feb 8

No sábado caí e desloquei o ombro. Dores horríveis, ao ponto de quase desmaiar. No hospital o médico disse-me o que iria fazer e eu preparei-me mentalmente para a dor. Berrei na mesma e a coisa só foi lá à custa de morfina. Há dores e dores. Também eu me preocupo em ver o lado B da vida. Mas por vezes esse lado está tão longe da realidade que dar-lhe exclusividade seria mascará-lo. Há um tempo para tudo: tempo para berrar e tempo para avançar. Importa é não ficar enclausurado no primeiro.

20210203

eutanásia

Sou católico. Convicto e apaixonado. Leio, estudo, confronto a doutrina da Igreja com a minha vida e tenho em consideração os seus ensinamentos, as suas indicações, os seus conselhos, porque acredito que a Igreja é a comunidade dos que acreditam num Deus vivo, cuidador e apaixonado pela humanidade. Que nos ama, que me ama, e quer o meu bem e a minha felicidade. Creio na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, de peito aberto e cabeça erguida. 

Acredito em Jesus. Na Sua humanidade. Na Sua divindade. Acredito que É, verdadeiramente, Filho de Deus e modelo de vida. Não há bem que não tenha passado por Ele. Não há pecado que não tenha sido recusado por Ele. Não há pecador que não seja acolhido por Ele. É Jesus, não a Igreja mas na Igreja, por quem tento medir os meus atos, os meus comportamentos, as minhas ações. Sabendo que nesta luta desigual entre mim e Deus saio sempre a ganhar, porque acolhido totalmente, amorosamente, por Ele.

Acredito na liberdade. Pessoal. Humana. Na fé porque Deus assim o quis, na vida porque só assim podemos Ser. Acredito na responsabilidade individual, solitária, que me encontra e me confronta no silêncio, no recolhimento, na noite que me revela. Acredito que só sendo profundamente livre poderei ser eu quem se sentará diante de Deus para ser terna e eternamente acolhido exatamente como sou. Sem subterfúgios, sem fingimentos, sem desculpas esfarrapadas. Eu, em total liberdade, inteiro diante daquele que me quis pleno de liberdade.

Não posso aceitar a eutanásia. Uma derrota pessoal e civilizacional.

Não posso recusar a liberdade. Uma vitória pessoal e civilizacional.

É em nome dessa liberdade que nos permite a Vida que, se e quando a isso for chamado, lutarei com todas as forças para evitar que alguém cometa eutanásia. É em nome dessa liberdade que nos permite a Vida que, se e quando a isso for chamado, respeitarei, no seu e no meu limite, a sua liberdade. 

E rezo para que encontre, finalmente, Amor, junto de Deus.

20210201

20210201 1537

“Keep this thought handy when you feel a fit of rage coming on: it isn’t manly to be enraged. Rather, gentleness and civility are more human, and therefore manlier. 
A real man doesn’t give way to anger and discontent, and such a person has strength, courage, and endurance, unlike the angry and complaining. 
The nearer a man comes to a calm mind, the closer he is to strength.” 
 
MARCUS AURELIUS, MEDITATIONS, 11.18.5b

Tento muitas vezes manter a calma. Não me zangar. Dar tempo. Maturar, deixar que as coisas façam o seu caminho cá por dentro antes que faça ou diga o que invariavelmente faço ou digo sob pressão: asneiras. E culpa, depois. Por isso tento arrefecer, escutar - é muito importante escutar - dar lugar ao outro e só depois comentar. Com calma. Sem me zangar. Sem me enfurecer. Sem permitir que isso me roube de mim. No início, raramente acontecia. Agora já vai acontecendo. É um caminho. Longo, pedregoso, cheio de lentas subidas e íngremes descidas, feito de muito mais recuos que avanços, de dores de garganta à custa de tantas vezes engolir em seco. Mas é um caminho. Que se faz. Que se vai fazendo. Que se vai aprendendo a gostar à medida que se pára para apreciar a paisagem do já percorrido. Que se vai auto-alimentando: gosto mais de mim quando consigo ser sereno, consigo serenar melhor à medida que vou aprendendo a gostar de mim. Porque sinto que tenho cada vez menos a provar. E cada vez menos tempo para saborear. Por isso é tão importante saborear. E viver. Sobretudo viver saboreando o que vou vivendo.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...