20171215
Vi a sua face contraída, tensa, e disse-lhe para sorrir, para se descontrair. Se isto não serve para nos divertirmos, não serve para nada. Estávamos todos a meio de um ensaio para esta noite. Sei bem a responsabilidade de tocar e cantar em cima de um palco. Sei bem como queremos todos que corra bem. Sei bem como no dia seguinte nos cruzaremos com o que estarão lá esta noite, na plateia, naquele lugar assustador para quem olha e, ofuscado pelas luzes, apenas consegue imaginar quem está do outro lado. Mas isto é puro gozo. É apenas um pretexto para estarmos juntos e nos divertirmos enquanto cantamos e tocamos meia dúzia de canções.
Eu lido razoavelmente bem com a pressão. Naquilo que é trabalho. No resto, sou péssimo. Não sei como o fazer. Por isso o truque é não lhe atribuir demasiada importância. É procurar o o gozo pelo gozo. É gostar muito mais do processo que do resultado final. É não permitir que a diversão se transforme em trabalho. E essa inversão é tão fácil de acontecer!
Provavelmente será da idade, mas vou descobrindo cada vez mais que damos excessiva importância a coisas que não são assim tão importantes. Que, para além da fundamental perspetiva pessoal - a procura e o alcance dos momentos de felicidade - importa transformarmos a vida dos doutros, sermos veículos de vida, proporcionarmos boas memórias, suscitarmos as questões para que eles queiram procurar e encontrar respostas. Tudo o mais é passageiro.
No concerto de logo importam os ensaios que fizemos, as asneiras e os risos, o cansaço de tocar e cantar a mesma música n vezes, o ser dirigido pelo meu filho, as bocas e as brincadeiras do outro filho, o empenho colocado pelo meu irmão, a redescoberta das vozes e partilhas das experiências. Será isso que iremos todos recordar, assim como é isso que ficou de mais gratificante do tempo da outra banda. Ainda hoje os meus filhos recordam os ensaios no sótão que os forçavam a adormecer ao som da percussão e das guitarras e não o concerto propriamente dito, do qual talvez guardem uma ténue memória.
Nós não somos máquinas. Quando servimos, quando trabalhamos, quando preparamos algo, devemos ser empenhados e comprometidos e prepararmo-nos para que as coisas corram bem. Sabendo que não somos máquinas. E que o fundamental nem sequer é o destino. Mas a viagem. Que, no caso do concerto, envolve vários dias de trabalho para menos de duas horas de concerto.
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