20171230


Não há sentimento mais nobre que o da gratidão. Pura, genuína, imensa gratidão.

Olho para trás e vejo enormes convulsões. Em mim e no que me rodeia, geralmente provocadas por mim.

Foi um ano de batalhas duras e constantes, de procuras incessantes de outros tantos encontros e descobertas. Não foi um ano de rendição, mas de batalhas ganhas e perdidas. Ser-me-ia tão fácil quanto estúpido dizer que, se pudesse, faria tudo da mesma forma. Não faria. Tentaria encontrar mil formas diferentes de tentar conciliar o inconciliável. Formas que poupassem o sofrimento, formas que trouxessem risos em vez de lágrimas, formas cujas marcas não permanecessem no tempo.

Mas isto é a vida. E a morte. E este foi também um ano de morte. Ainda do Mero, cujas ondas de choque desabaram no início deste ano. Da minha avó, que no final de uma vida cheia de vicissitudes se entregou, finalmente, em paz. Foi um ano de perdas, algumas delas irreparáveis, de ausências, de partidas e chegadas. Foi um ano de aprendizagem, de enorme aprendizagem.

Foi um ano de pessoas, como tem sido a minha vida adulta: recheada de constatações. De pessoas. Das que retiram e acrescentam, das que desligam e reforçam, das que confirmam e desmentem. Das que conheço e das que desejaria, por vezes não conhecer tão bem. Das que me desiludem e das que me acrescentam sonho à vida.

Foi um ano de sonho. Sonhos de futuros, sonhos de passados, sonhos de olhos abertos e bem fechados, sonhos de ilusão e realidade, autênticos banhos de imersão que me permitiram escapar e regressar, poisar os pés no chão e deixar fluir, agarrar-me e perder-me, abandonar-me para me reencontrar.

E foi um ano de gratidão! De profunda gratidão! Se tudo o que vivi me permitiu chegar hoje, aqui, como estou hoje, aqui, só posso agradecer. A quem me trouxe até aqui.

Obrigado

20171227


Por vezes acordo. É como se andasse atordoado, distraído, tão distraído que deixasse de ver o essencial. E o essencial, na minha vida, nas minhas permanentes tentativas de viver bem, e em paz comigo próprio e com o imenso que me rodeia e me habita, o essencial é não magoar. E quando acordo, quando descubro que posso ter magoado, por descuido - só magoo por descuido, por falta de atenção e cuidado - cá por dentro cai o Carmo e a Trindade.

20171215


Vi a sua face contraída, tensa, e disse-lhe para sorrir, para se descontrair. Se isto não serve para nos divertirmos, não serve para nada. Estávamos todos a meio de um ensaio para esta noite. Sei bem a responsabilidade de tocar e cantar em cima de um palco. Sei bem como queremos todos que corra bem. Sei bem como no dia seguinte nos cruzaremos com o que estarão lá esta noite, na plateia, naquele lugar assustador para quem olha e, ofuscado pelas luzes, apenas consegue imaginar quem está do outro lado. Mas isto é puro gozo. É apenas um pretexto para estarmos juntos e nos divertirmos enquanto cantamos e tocamos meia dúzia de canções.

Eu lido razoavelmente bem com a pressão. Naquilo que é trabalho. No resto, sou péssimo. Não sei como o fazer. Por isso o truque é não lhe atribuir demasiada importância. É procurar o o gozo pelo gozo. É gostar muito mais do processo que do resultado final. É não permitir que a diversão se transforme em trabalho. E essa inversão é tão fácil de acontecer!

Provavelmente será da idade, mas vou descobrindo cada vez mais que damos excessiva importância a coisas que não são assim tão importantes. Que, para além da fundamental perspetiva pessoal - a procura e o alcance dos momentos de felicidade - importa transformarmos a vida dos doutros, sermos veículos de vida, proporcionarmos boas memórias, suscitarmos as questões para que eles queiram procurar e encontrar respostas. Tudo o mais é passageiro.

No concerto de logo importam os ensaios que fizemos, as asneiras e os risos, o cansaço de tocar e cantar a mesma música n vezes, o ser dirigido pelo meu filho, as bocas e as brincadeiras do outro filho, o empenho colocado pelo meu irmão, a redescoberta das vozes e partilhas das experiências. Será isso que iremos todos recordar, assim como é isso que ficou de mais gratificante do tempo da outra banda. Ainda hoje os meus filhos recordam os ensaios no sótão que os forçavam a adormecer ao som da percussão e das guitarras e não o concerto propriamente dito, do qual talvez guardem uma ténue memória.

Nós não somos máquinas. Quando servimos, quando trabalhamos, quando preparamos algo, devemos ser empenhados e comprometidos e prepararmo-nos para que as coisas corram bem. Sabendo que não somos máquinas. E que o fundamental nem sequer é o destino. Mas a viagem. Que, no caso do concerto, envolve vários dias de trabalho para menos de duas horas de concerto.

20171205


Sinto sempre enorme vontade de me enclausurar. Como se me pudesse manter assim, formatado, seguro, com os pés sempre bem assentes em terra bem firme. De olhos postos no chão, desinteresso-me pelo voar e pelas coisas do alto. Manter é a palavra chave. Sossego é o objetivo a alcançar. E sossego. Efetivamente. O corpo. A alma. O espírito. Seguro-me ao que é seguro. Enraizo-me no que é certo. Indubitavelmente certo. Inquestionavelmente certo.

A intimidade tem muitos nomes. E muitas formas. Variadas. E um tempo que é apenas seu. Que pára. Que é imune ao próprio tempo. E tem sempre, sempre, uma presença. Que poderá ou não estar presente. Mas que é sempre presente. E tempo e presença conluiem-se e tudo tornam diferente. Um momento é tudo quando há presença. Um ano é nada na ausência. Estamos juntos e sempre fomos juntos. Recebo uma foto, enviam-me um poema, leio um abraço distante que me é dirigido e é apenas meu. E o tempo pára. E somos juntos.

Sinto sempre enorme vontade de voar. Como se me pudesse manter assim, livre, meu, com a alma sempre a viajar. De asas bem abertas, de velas bem enfunadas ao vento, deixo-me contagiar pelo que me invade os sentidos. Saborear é a palavra chave. Liberdade, é o meu viver.  Sentir, o objetivo a alcançar. Nada mais importa senão saborear o sentir. Sem amarras, sem âncoras, sem raízes.

20171204



No mundo imaginário e fantasioso onde algumas vezes ainda vivo tudo se resolve. Uma boa conversa, um sincero pedido de desculpas, um escancaramento da alma, constituem a mezinha que tudo soluciona e tudo resolve. Um sorriso, ainda que ténue, é garantia que a alegria vai ocupando o lugar da dor provocada e tudo, a partir daí, serão boas memórias. O problema é que o único lugar onde vivo sozinho é nesse mundo imaginário e fantasioso. Na vida real não existo apenas eu e as minhas adolescentes fantasias. E o que eu digo tem consequências. E o que eu faço tem consequências. No mundo mesmo. Que não deixam de existir nem passam com duas de letra. E às tantas esse mundo onde por vezes ainda habito torna-se efetivamente  pernicioso. Na pele, nos ossos e na alma justamente daqueles que me são mais próximos. Da pele, dos ossos... da alma.

Esses, justamente esses (porque apenas esses me conhecem a esse ponto), antecipam por vezes a catástrofe apelando a que ponha ambos os pés na terra. Pedem-me que pare de sonhar, não entendem como sou capaz de viver assim, ora num ora noutro mundo, como se fosse habitado por duas distintas realidades. Tentam, em vão, meter algum juízo nesta cabecinha mais sonhadora que pensadora e, tragicamente, raramente saem vencedores. Fatidicamente, de uma forma ou de outra, acabam por ser contagiados por essa fantasia que me transborda por todos os pólos, amando e confiando que desta vez é que é.

Perante a recorrência, não adianta argumentar. E o  pueril "não foi por mal" nem de fraco consolo serve mas de arma de arremesso de auto-punição. Talvez o silêncio. Apesar de potenciador de todos os mal-entedidos. Talvez o silêncio seja um bom refúgio. Talvez aí apenas eu habite. E não faça mal a ninguém.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...