20170220


Os processos de canonização mexem sempre comigo. Assim como algumas coisas da Igreja Instituição que, com demasiada frequência, me parecem ser mais contra-testemunho que caminho. Fátima é um bom exemplo dessa contradição que sinto. Gosto muito de estar em Fátima, no recinto, na capelinha das aparições, mas tenho quase sempre que fazer um esforço mental para me desligar das aparições. Não preciso nada que Nossa Senhora tenha aparecido a uns pastores para viver a minha fé em Fátima, que é muito mais experiência de comunhão com a Igreja no mundo que circunscrição a uma determinado acontecimento. Que ainda por cima é, para mim, altamente duvidoso.  A somar a isto, em Maio estarei lá com muita gente boa para acolher o Papa. Iremos provavelmente cantar e dançar muito e rir muito e rezar muito também. E acolher o Papa Francisco que, apesar de estar longe de ser o meu Papa preferido - continua a ser Bento XVI - acredito que é o Papa que a Igreja precisa neste momento.
Eu acredito mesmo na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, como rezo no credo. Acredito mesmo que o Espírito Santo habita na Igreja por intermédio de todos nós. Acredito mesmo numa Igreja que é composta de pessoas e muitas maneiras de sentir, viver e celebrar a fé e onde todos temos lugar. Acredito mesmo que existem milagres. No pequeno, No dificilmente percetível. No dificilmente visível. Como Jesus fez. Faz-me imensa confusão, por isso, sempre que a Igreja aposta no Grandioso. é demasiado contra-natura. É muito humano e pouco divino.

20170213

Discutíamos ontem à mesa acerca dos papas que nos têm dirigido nos últimos anos. Sabemos perfeitamente que a nossa discussão é inócua. Não somos chamados a votar num papa, a sua escolha não nos responsabiliza em nada enquanto católicos e membros da Igreja, e que temos mais é que o aceitar, gostemos dele ou não. Mas isso não nos coíbe de discutirmos a Igreja e o papa e os cardeais, o Vaticano, o padre e o sacristão. Se o resultado prático é nulo, o resultado interior para cada um de nós e enquanto família é muito positivo.
O espírito crítico que desde sempre foi incentivado nos meus filhos - não temos assuntos tabus e tudo é discutível desde que se consiga argumentar - é arriscado mas é fundamental. Ao longo do seu crescimento tivemos algumas alturas em nos preocupamos com as suas opiniões e decisões, mas a liberdade de acreditar sempre foi ponto assente entre nós. Por muitos riscos que se corram, são sempre menores que os decorrentes da manipulação de uma cabeça com pouco uso.
E a verdade é que não nos temos dado mal.

20170207


No Silêncio, a presença daquele japonês que apostasava com extraordinária facilidade era a minha salvação. Sempre que ele se encontrava em perigo não hesitava em salvar a própria pele. Claro que depois vivia atormentado por si próprio, pela sua cobardia, pela sua falta de fé, pela sua persistência na sobrevivência a qualquer custo. Que descambava, inevitavelmente, numa não vida.
São evidentes as ligações a Pedro, que negou Jesus com a mesma facilidade. É típico dos que, como eu, têm raízes pouco profundas e por isso passam a vida a questionar o que - e se - vale ou não a pena. Como diz a canção - sábia, como todas as canções e ditos populares - não me invejo de quem tem carros, parelhas e montes, só me invejo de quem bebe a água em todas as fontes. É essa a minha maior inveja, provavelmente porque é essa a minha maior e mais antiga culpa: a falta de raízes, de certezas firmes e seguras que me impeçam de me questionar e me permitam desfrutar da água fresca, diretamente da fonte.
Há muitos anos que eu não vou à missa. Há já muitos anos que eu não me limito a estar, a levantar e sentar, mecanicamente, seguindo impulsos que me são externos, apenas porque sim. A eucaristia, regular e participada, é-me fundamental como ponto de referência para a minha vida. Aí, na eucaristia, sinto-me sempre confrontado. Sempre. Sinto-me sempre desalentado. Sempre. E saio sempre retemperado. Sempre. Muitas vezes digo ao meu pároco, em tom de (mais ou menos) brincadeira, que ele faz as homilias a pensar em mim. E le responde-me que sim. Não apenas em mim, mas também em mim, pois é também a mim que Jesus fala.
O Silêncio seria para mim um filme completamente diferente e estranho sem aquele japonês. Seria um filme de super-heróis, muito giro e tal, mas a que faltaria vida. Assim, é para mim um filme estranhamente consolador. Saber que, apesar do que sou, terei sempre para quem voltar é, muitas vezes, o meu único motivo de esperança.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...