Sim, eu sei, admito-o perfeitamente, sempre que posso, com bastante alegria até: sou um privilegiado. Mas isso não invalida que volta e meia (mais volta que meia) me erga barreiras, me levante problemas, me perca em questões que me parecem mais inultrapassáveis que a muralha da china. E depois, passado algum sofrimento, volto a educar o olhar e a dar valor ao tanto que sou e tenho.

Depois de conversarmos senti que algo de diferente se passava nas minhas costas. Olhei, a medo, por cima do ombro, e reconheci-as. Em boa verdade, nem precisava de ter olhado porque já tinha reconhecido os sintomas: pálpebras levemente fechadas, a permitir-me ver, sorriso leve, alma a empreender a sua viagem lá por cima... mas lá estavam elas, as minhas asas. De volta! Saborosamente de volta! Deliciosamente de volta! E deixei-me ir, como me deixo sempre ir, abandonando-me à conversa, permitindo a comunicação direta entre a alma e as palavras, apesar dos protestos veementes da razão, que nestas coisas se sente sempre posta de parte (em boa verdade é efetivamente posta de parte, mas não lho posso confessar).

Parece que quando digo que não consigo viver sem estar apaixonado causo espanto em algumas pessoas. Como se o término da felicidade tivesse data marcada "ao chegar aos cinquenta limitas-te a viver, não podes procurar" ou estivesse irremediavelmente condenado às certezas absolutas e irredutíveis. Valha-me a loucura permanente, a adolescência permanente do sentir e do procurar, esta fome de desejar estar permanentemente apaixonado que acresce vida à minha vida. Valha-me esta insaciedade permanente que não é invejosa e me permite, ainda que esporadicamente, saborear a vida com tudo aquilo que de bom ela me traz.

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