Lentamente, muito lentamente, vou-me arrumando por dentro. Revisito os cantos, limpo o pó, levanto os tapetes, limpo o pó, olho as molduras, levanto o pó, reparo nas manchas dos vidros, limpo o pó. Sempre foi uma das minhas tarefas preferidas no Centro de Recursos: mal me apanhava sozinho, tirava todos os livros das prateleiras e, lentamente, com o tempo do meu lado, ia revisitando-os, limpando-os, folheando algumas das suas páginas, refazendo juras de amor eterno e prometendo, mais uma vez, que os iria levar comigo para os ler, o que acabava, invariavelmente, por não acontecer. Sempre que alguém entrava pelo CR dentro arrepiava-se e tinha pena de mim. Via aqueles livros em cima da mesa e calculava o enorme sacrifício que eu fazia, sozinho, a limpar e a arrumar aquilo tudo. Eu sorria, como sorrio sempre, e furtava-me a explicações, como me furto sempre. Não sabiam que aquilo que eu fazia com os meus livros - sim, eram os meus livros - faço sempre que posso com a minha vida. E adoro! Mais tarde, quando as aulas recomeçavam e o CR se enchia de miúdos barulhentos porque cheios de vida, tinha um gozo enorme quando me perguntavam onde estava um qualquer livro e eu ia direitinho lá buscá-lo. Férias é, para mim, muito isso. Acalmar, serenar, revisitar, limpar e preparar para o que aí vem. Tenho sempre alguma dificuldade em perceber quem passa este mês numa correria ainda maior que a do trabalho, quem vive este período num permanente fazer e desfazer de malas, de aeroporto em aeroporto, de lugar em lugar, como fazíamos em miúdos, quando brincávamos às escondidas. Eu preciso mesmo é de acalmar, recuperar forças, voltar a aprimorar o olhar, para que, quando o tempo recomeçar a fugir, possa saber onde está cada pedaço meu e ir buscá-lo, sem surpresas desagradáveis.

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