20121119



Tenho-me deliciado com o último livro do José Tolentino Mendonça: Nenhum Caminho Será Longo. Adoro quando encontro nas palavras aquilo que sinto há muito tempo e nunca consegui exprimir adequadamente. É um livro que tenho vindo a saborear, com muito calma, pausadamente, profundamente, como convém. E que me tem levado a revisitar - ainda que apenas cá por dentro - novos e velhos amigos à medida que o vou lendo.

Quem me conhece sabe como prezo a amizade. Como tenho vindo a aprender a vivê-la, solta, sem amarras, completamente livre, como deve ser. E também como por vezes é mal entendida, confundindo-se liberdade para ser e para estar com desinteresse. A amizade, que tenho a sorte de ser quotidianamente demonstrada, alimenta muito do que são os meus dias e torna o meu quotidiano muito mais feliz.

No entanto, tenho que confessar que não é a amizade que me sustém, mas o amor. Ainda ontem, ao final da tarde, fomos todos jantar ao McDonald's. Foi mais uma oportunidade de construção desta coisa complexa e por vezes complicada que é a família. Intercalamos conversas sérias com brincadeiras parvas, rimos como inconscientes para logo de seguida nos solidarizarmos uns com os outros, falamos de tudo e de mais alguma coisa, voltamos a perceber que todos somos, efectivamente, parte de todos, que ninguém é supérfluo, que ninguém é dispensável.

A noite, no entanto, não acabou sem uma outra componente muito nossa: uma boa discussão. Que, contrariamente ao que muitos porventura pensam, não abala o que somos enquanto família mas, pelo contrário, consolida, cimenta, ajuda a perceber a importância que a vida de cada um tem para todos, que o futuro de cada um tem para todos, que não há vidas separadas, não há um "é comigo" mas tudo "é connosco".

Na página 15 do "Nenhum Caminho Será Longo" podemos ler que "o regime dominante do amor é o do tudo ou nada". Não tenho qualquer dúvida. Por muitos e bons amigos que tenha - e tenho a Graça de os ter -, por muito que eles sejam fundamentais para me alegrarem os dias, é na Isabel e nos meus filhos que deposito todo o meu ser.

Arrisco tudo?
Claro que sim.
Mas amor sem "tudo" não é amor.
É amizade.
É diferente.

20121107


Pela minha net quotidiana abundam os velhos e novos amigos. Aproveito para os revisitar, ainda que apenas deste lado do ecrã. À falta de melhor - e o melhor seria estarmos novamente juntos, olhos nos olhos - fico feliz por saber que vão estando bem, que vão trilhando os seus próprios caminhos, com maiores ou menores dificuldades, como é natural. Volta e meia lá vem algo mais pessoal, mais dirigido a mim, e eu fico feliz, claro! Apesar de saber que o meu papel é semelhante ao dos andaimes, sabe-me muito bem saborear uns miminhos.

Ainda há pouco tempo conversava acerca desta "distância", controlada e voluntária, que me esforço por manter particularmente para com aqueles que, sendo importantes para mim, devem ganhar autonomia. E isto tanto é válido para os meus filhos como para os meus amigos mais novos, como até para os meus pais. Creio que sempre tive a consciência que facilmente crio dependências mútuas. Quando gosto de alguém tendo a permitir que ocupemos demasiado tempo um no outro, não me sai da cabeça, e qualquer coisa é um bom pretexto para pensar como reagiríamos a um acontecimento, como discutiríamos um assunto, como resolveríamos um qualquer problema. Durante demasiado tempo como que alimentei esta dependência mútua, até que me apercebi, a (muito) custo, que não era bom para ninguém. E aprendi então a desligar, a dar asas, a acompanhar à distância, a ficar atento aos pequenos sinais que me vão permitindo saber se as coisas estão a caminhar.

Mesmo contra a minha vontade.

20121104


Empanquei logo na página sete, na aceitação serena dos limites como segredo profunda da amizade profunda. Depois disto, que li já lá vão dois dias, não consegui ler mais. A aceitação serena dos limites! Não foi agora que lá cheguei, com este trecho, mas fico sempre muito feliz quando vejo esparramado numa página a confirmação do que vida já se encarregou de me demonstrar. Na amizade profunda há uma partilha do ser, tal como é, sem subterfúgios, sem nada na manga, em joguinhos. É muito o WYSIWUG (o que vês é o que tens), típico da informática dos primeiros tempos, que não vivia tão embrulhada na fantasia. E eu gosto disso. Gosto de não ter que me preocupar com o que se diz ou pensa, explorando os limites de cada um, descobrindo os limites de cada um. Gosto da abertura, da possibilidade de corrigir e ser corrigido sem aquele medo de ficar acorrentado ao que foi dito. Porque isso é o que separa a amizade profunda: um On e Off que pode ser feito a qualquer momento, mas que, por escolha própria, sem qualquer constrangimento de espécie alguma, se escolhe não fazer. A amizade profunda tem que ter asas, tem que ter espaço, tem que ter autonomia, tem que dar lugar à certeza da autonomia da vontade de estar.
Por isso a lua
Por isso o salivar
Por isso a presença constante (mas serena) da ausência

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...