Gosto de pensar que tenho algum pudor em invocar o argumento de Deus.

Alguns amigos meus vivem tempos difíceis. Despedimentos, fim dos subsídios, separações, doenças... parece que vivem tempos em que tudo o que é mau se junta para atacar ao mesmo tempo, explorando os limites da sua própria fragilidade. Como sabem que eu gosto de pensar as coisas, questionam-me muitas vezes qual o sentido de todas estas dificuldades, um sentido que eles não conseguem descobrir perante problemas de resolução tão difícil e que esperam que eu ajude a encontrar.

Eu tento, a sério que tento, mas não tem sido fácil. Por um lado é para mim evidente que colhemos o que semeamos, e que a memória é uma coisa muito gira, que tende a esquecer com enorme facilidade as coisas menos boas que fazemos e as oportunidades que desperdiçamos. Por outro lado, a falta de confiança uns nos outros, que se acentua enormemente em tempos de crise, multiplica o medo e conduz aos maiores disparates e ao cada um por si agravando o desamparo da solidão.

Depois... bem. Há coisas que para mim são claras, que aprendi à custa de bofetada da vida, mas que gostaria que não tivesse sido assim. E se me tivessem dito, naquela altura, enquanto a alma ardia, que era uma oportunidade para aprender e para mudar de vida, que daí viria algo de muito positivo, o mais provável é que eu desatasse a disparatar. Porque há aprendizagens que são apenas nossas, que devem ser apenas nossas, que são descobertas, que apenas fazem sentido porque nos implicam até ao tutano, porque nos remexem as entranhas tão intensamente que somos obrigados a repensar tudo, a reorientar tudo. E não há ninguém que esteja de fora, por mais sensato que pareça, que as consiga sequer entender, quanto mais tentar justificar. Até porque há situações em que apenas o silêncio partilhado é a mais sábia das respostas.

Essa descoberta, a do tempo de Deus na nossa vida, no nosso tempo, é um caminho feito na intimidade de cada um, no silêncio de cada um, no encontro de cada um com Aquele que tem sempre a mão estendida, à procura da nossa mão. Mas não é fácil entender. Tal como ensina Job, temos que saber esperar, contra todas as aparências, contra todas as evidências, que as coisas, um dia, farão sentido. 


Até lá... resta-nos confiar.

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