Por estes dias, é-me impossível não estabelecer o paralelismo. E (a)notar o paradoxo. As notícias passam de uma fila para outra. De comum, a fila interminável, o respeito, a vontade de despedida, a veneração, o reconhecimento da importância da vida. E, parece-me, fica por aí. Pelé e Bento XVI dificilmente poderiam ser mais diferentes. Um é o símbolo do endeusamento exacerbado do efémero, da popularidade, da elevação das artes mágicas de um homem cujos méritos são recordados bem acima dos da equipa e que encontrava a sua alegria no meio da multidão. O outro é reconhecido pelo seu recato, pela sua aversão a tudo o que era popular, preferindo o refúgio e o silêncio, longe de tudo e de todos. Paradoxalmente, se perguntássemos ao comum dos mortais quem deles desperta mais simpatia e adesão, Pelé teria mais um título na sua carreira. E isso diz imenso de nós, Igreja.

Desde muito novo - creio que desde que estudei e percebi a dinâmica do nazismo - que sinto enorme dificuldade em alinhar no exacerbamento das pessoas. E eu sou um privilegiado, trabalho todos os dias com e para pessoas que são enormes no conhecimento, na entrega, no sacrifício próprio, na busca quotidiana de soluções e condições para que os outros possam ter, efetivamente, mais vida. Pessoas cujas capacidades que me fazem sentir pequenino e junto de quem gravito tentando absorver tudo o que elas me possam e queriam dar. Pessoas dos mais variantes quadrantes, das mais variadas origens sociais, mais novas e mais velhas, que podiam ser meus filhos ou meus pais e que me dão o privilégio de me permitir labutar com eles, aprender deles, construir com eles. Pessoas que são seres humanos, que têm zonas claras e cinzentas, que caem e se levantam quando conseguem ou quando são ajudadas, que riem e choram, que nem sempre entendo, que nem sempre me entendem e por vezes se chateiam comigo e eu com elas.

Eu não acredito que Deus abençoe particularmente uns em detrimento de outros. Não acredito em pessoas providenciais nem em super poderes nem em super papéis. Acredito na abertura pessoal - cheia de altos e baixos - ao que Deus vai pedindo a cada um, acredito na escuta, acredito na descoberta, acredito no caminho, acredito que Deus nos pede que sejamos despertadores, profetas, para que outros possam acreditar também. E não acredito no anonimato. Acredito em olhos e braços e palavras e pés e silêncios que se fazem especiais na partilha, que nos tornam especiais na partilha, uns com os outros, uns para os outros, conferindo e confirmando a amorosa dedicação que o Pai tem por cada um de nós.

Que me recorde, de entre as personalidades mais ou menos públicas, apenas me comovi diante da campa do Ir. Roger, de Taizé. Talvez porque esperasse um mausoléu do género daqueles que se destacam nos nossos cemitérios e o que encontrei foi um pedaço de terra mal amanhada, com uma cruz de madeira meio tosca e meia dúzia de pequeninas flores silvestres plantadas. E foi como que uma chapada na cara.

Deus fez-se pequeno. Por nós e para nós. Mas nós insistimos tanto na mania das grandezas! 

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