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Se há pessoas que me questionam são as que têm todas as certezas acerca de Deus. Quando sai do Magistério alguma orientação que confirma a Tradição entoam hossanas porque a Igreja está a respeitar o que Deus disse; quando as orientações vão em sentido contrário, vociferam sacrilégio porque a Igreja está a escolher a mundanidade. Eu gostava era de perceber como essas pessoas acham que Deus nos fala, a cada um, em cada momento, em cada circunstância. 

Uma das minhas filhas é psiquiatra e diz que tem imensos pacientes que ouvem vozes. Então quando o Papa Francisco veio a Portugal, parecia um coro! Por isso olha-me com cara de psi quando afirmo que, na verdade, acredito mesmo que Deus nos fala. Acredito mesmo que Ele conhece cada um pelo nome e que não cai um só cabelo da nossa cabeça sem que Ele disso tenha conhecimento. E acredito que Ele me orienta, todos os dias, ou melhor, me dá pistas para que eu me oriente todos os dias, nos mais pequenos momentos, nas mais pequenas decisões, deixando-me a capacidade de escolher e decidir e a liberdade me deixar levar pelas imensas outras vozes que a realidade me dirige. Escutar a voz de Deus não é para mim, no entanto, do domínio do extraordinário, mas do quotidiano. Porque rezo todos os dias, porque escuto todos os dias, porque me silencio todos os dias para permitir que Deus me fale. E acredito que este cuidado, esta forma de amar, esta exclusividade que me faz sentir filho único, acontece desde os primórdios da existência com todos os homens e mulheres, cada um de nós filhos únicos para um Pai que nos ama na nossa própria individualidade e especificidade. 

Mas não consigo ir apara além de O escutar, de O tentar interpretar na minha vida, nas minhas circunstâncias, em tudo aquilo que faz com que eu seja eu, e apenas eu. Não consigo extrapolar para além disso, ditar ordens e impor vontades como se eu fosse o escolhido para transmitir a Sua vontade, como se falasse em Seu nome. O mais que consigo, e faço, é celebrar com os outros filhos únicos esta maravilha de partilharmos a fé e a esperança num Deus que nos acolhe e nos ama, a todos e a cada um de nós. E esta é a Igreja que amo: aquela que celebra, que alimenta, que ama, que acolhe e dignifica. E é por esta que batalho, todos os dias, superando a tristeza que sinto quando esta mesmo Igreja, que é também a minha, faz escolhas que eu não compreendo e fecha os braços a quem a procura. Porque, inevitavelmente, ainda que o negue em voz alta, esse fechamento impregna a sensação que os puros são de dentro e os impuros são de fora. E fazer sentir isso, seja a quem for, é a negação mais evidente de tudo o que Jesus ensinou. E fez. 
 

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