Como qualquer mortal pensante, estou mais ligado a algumas ideias, que expresso em palavras idênticas, e resultam de uma linha de vida que, para o bem e para o mal, vai sendo a minha. Olhares, escutas, caminhos, juntos, tempo, parecem ter lugar cativo naquilo que escrevo apenas porque têm lugar cativo no que vivo.
No entanto, por vezes acontece ver, ler, ouvir, deparar-me de alguma forma com algo que escapa a esta dinâmica. Acontecimentos curtos ou esporádicos, que nada teriam para acamparem cá por dentro de são fosse uma palavra, um olhar, algo que me causasse espanto verdadeiro - o que, talvez fruto da idade, vai sendo cada vez mais difícil.
Mudei de operador de tv e net e tiveram que ir uns senhores lá a casa instalar o serviço. Dois. Brasileiros. Ambos na casa dos 30 e muitos, 40  e poucos. Um deles absolutamente normal. Outro, porém , com um olhar que ainda anda por aqui: triste, sofrido, mas grato. Como estivemos juntos a manhã toda, a determinada altura conversamos um pouco. Este homem, o do olhar, estava cá há um mês. Veio com a mulher e dois filhos, de dois e cinco anos. A meio do caminho percebeu que fora burlado e viu-se, com a sua família, num país completamente desconhecido, sem dinheiro nem lugar para ficar. Não virou a cara à luta - porventura até por falta de alternativa - e agora andava à procura de casa para alugar. Muito grato aos portugueses, que os acolheram como se fosse da família - palavras dele - e de quem só diz bem.
Calculo que seja preciso um estado de desespero absoluto para alguém se aventurar a ir para um lugar desconhecido com mulher e dois filhos pequenos. Desespero e confiança. Realmente as coisas mudam quando não as lemos mas as escutamos diretamente, quando o que vemos não são recortes de jornais ou fotos de redes sociais mas olhos, doridos, como o que tinha diante de mim.
Aquela curta conversa anda ainda cá por dentro. Penso como ele estará, se já encontrou casa, se a sua mulher já trabalha, se os seus filhos dorme à noite. Dá vontade de pegar neles, não para os meter numa redoma mas para os proteger, e tentar tudo para que possam ter as condições de sustentar a sua família com dignidade e possibilidade de futuro. Afinal é para isto a política, para ajudarmos a criar as condições para que todos possam ser felizes.

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