20160815


Recordo o verão da minha infância com saudade. Não apenas as intermináveis brincadeiras de rua, que terminavam já a noite ia alta, ou as idas à praia com o tijolo a tocar a altos berros no velhinho 88 que ia de São Roque ao Castelo do Queijo. Nem sequer os naturais e desejáveis amores de verão, que tinham tanto de intensos como de fugazes, inevitavelmente levados pelas águas das primeiras chuvas. Recordo particularmente os imensos momentos que tinha apenas comigo, e os meus livros e os dias inteiros para ler. Recordo as descobertas que fiz através da literatura, as coleções que comprava e vendia no velho alfarrabista do Bonjardim, que me devia achar alguma piada porque me dava mais livros que aqueles que eu lhe entregava. E depois, começada a escola, recordo o caminho interminável, sempre percorrido a pé porque não havia autocarro, pelo menos duas vezes por dia, outros bem mais, ou porque vinha almoçar a casa, ou porque ia aos treinos de uma das muitas atividades desportivas que fui tendo. Naqueles três quilómetros aprendi a viajar cá por dentro, a rever histórias, a preparar futuros, a fazer planos mil vezes desfeitos e refeitos porque cada caminhada era suficientemente longa para imaginar mil vidas. E como eu as imaginava!
Desse tempo ficaram estas minhas duas vertentes da minha personalidade, tão antagónicas quanto imprescindíveis para o meu equilíbrio: a alegria de estar com os outros quando estou com os outros; a necessidade de estar comigo quando estou comigo. Por vezes penso que a segunda, a da reclusão do mundo, é prevalente, é mais importante, é mais eu. Que eu estou melhor quando estou apenas comigo próprio, com as minhas memórias, com os meus sonhos e fantasmas. No entanto, fazem-me sentir muitas vezes que sou melhor com os outros, quando não me recluo mas deixo-me ser nos outros e deixo que os outros sejam em mim. É aí que se revela sempre o melhor de mim, e chego à conclusão que é aí que me aligeiro e me liberto de mim próprio.
As minhas últimas insónias têm sido preenchidas por Santiago. Faço e desfaço mochilas, aponto mentalmente o que não pode faltar, engendro esquemas para que caiba tudo e pese pouco. Santiago ocupa já uma boa parte do meu consciente e inconsciente. Num isto de memória e projeção, vejo-me a caminhar, invariavelmente no fim da fila, a conversar brevemente com quem me acompanha na ocasião e a deixar a mente esvoaçar por entre passadas mais ou menos ritmadas e paisagens mais ou menos deslumbrantes. Talvez por isso goste tanto da ida a Santiago: permite-me um misto de isolamento e partilha, devidamente acompanhado pela oração interior e exterior; permite-me ter gente boa à minha volta sem no entanto comprometer a minha necessidade de caminhar comigo mesmo; permite-me sair de mim a qualquer momento quando sou necessário e acolher quem se apercebe que também eu preciso de ajuda.
Santiago aproxima-se.
Deus seja louvado!

20160804


"Olá. O meu nome é Zé Pinho. Sou casado, tenho cinco filhos."

Já muitos miúdos e graúdos ouviram isto da minha boca. É fácil de dizer e diz o essencial de mim - como é dito num contexto de formação católica, a outra parte que me é essencial está subentendida.

Desde sempre que tivemos muitos filhos. Que agora estão um pouco espalhados. Na próxima semana terei uma em Vila Real, outra nem sei bem mas sei que é numa aldeia do interior (um pai não consegue saber tudo!) outra no Algarve a trabalhar e outro na Tanzánia, em missão. E o mais novo já disse que tem que arranjar maneira de se por ao fresco, que não está para servir de velinha as férias todas. Mesmo aquela tradicional semana de todos juntos não foi possível este ano. Uns iam e outros vinham mas nunca estivemos todos ao mesmo tempo.

Viver com os filhos longe é uma aprendizagem. Mais uma. Se por um lado ansiávamos ambos que esta altura chegasse, se ansiávamos pelo nosso tempo, sem darmos justificações, sem pensarmos em  jantares a horas e em roupas e em limpezas; por outro lado vemo-nos agora recuados aos tempos em que namorávamos: os passeios a dois, os jantares a dois, as caminhadas a dois, só que desta vez por entre mensagens de facebook e chamadas para e dos nossos filhos. É bom. É muito bom. Mas não deixa de ser um bocadinho esquisito. E inteiramente novo!

Viver a dois é sempre uma aprendizagem. Exige ajustamento constante, descoberta constante, redescoberta constante, não sendo para isso muito relevante se estamos juntos há três ou há trinta anos. Os desafios que se nos colocam hoje são muito diferentes daqueles que se se nos colocaram ao longo dos últimos trinta anos. São novos, são diferentes, são outros, que nos exigem novas avaliações e novas respostas... e novos ajustes. Constantemente.

Na semana passada pensava acerca de uma frase que deito muitas vezes da boca para fora: "não acredito em casamentos para sempre; acredito em casamentos de todos os dias." É verdade. Mas não é menos verdade que um casamento de todos os dias ao longo de trinta anos tem um outro peso, um outro lastro, uma história feita de cuidar mútuo que dá outro tipo de retorno.... e de desafios... e de segurança!

Estas férias têm sido também isso: um tempo de redescoberta. Mútua e de cada um de nós nos outros. Umas ricas férias!

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...