Sempre fui muito mau a viver aos pedaços. Esparramado, quero eu dizer: um bocado aqui, outro acolá, outro ainda mais ao fundo, provavelmente mais escondido, para que apenas alguns possam ver. Até poderá ser mais cómodo, mais resguardado, mas, pelo menos para mim, altamente problemático. Com facilidade confundiria o que deveria ser para quem e às tantas metia os pés pelas mãos. Eu sei como é. Já estive lá. Por isso há já algum tempo que decidi deixar-me dessas coisas e assumir de cara levantada e olhos bem abertos o que sou independentemente das circunstâncias. E o mais curioso é que fui descobrindo que, não raras vezes, o único que se preocupava com isso era justamente eu. E isso foi (ainda mais) libertador.

Sempre tive, no entanto, alturas em que senti que me eram arrancados pedaços de mim. Escolhas que faço que implicam compromissos, que implicam rumos e atitudes e ações concretas que têm consequências concretas sobre pessoas concretas e me impedem de ser e fazer tudo o que desejaria ser e fazer, até para ser e fazer o que devo ser e fazer.

Se há algo que me identifica comigo próprio é esta necessidade sempre presente de viver apaixonado. Pela vida, sim, num sentido lato, mas muito mais por pessoas, concretas, palpáveis, num sentido muito mais restrito. Identificar alguém numa canção, numa paisagem, num livro ou cena de filme, ter aquela vontade quase incontrolável de partilhar aquela sensação de plenitude e alegria e vida intensa que transborda, poder ter a certeza de despoletar sorrisos ainda que apenas vistos na imaginação recorrendo ao baú das memórias boas, é algo que raramente perdi e desejo nunca mais voltar a perder. Viver por viver, para ver passar os dias, à espera do que vem ter connosco, nunca foi muito a minha escolha.

Esta sofreguidão, esta paixão, esta ânsia de viver, no entanto, tem custos. Como tudo. E por vezes são altos. Por vezes tenho a sensação que necessitaria de muitas mais vidas para além desta que me foi concedida para poder desfrutar verdadeiramente da minha paixão. Por vezes apetecia-me ser mais que um para poder ser tudo em todos e com todos. Por vezes apetecia-me que os compromissos não fossem mais compromissos e que todos os pedaços de mim largassem o espartilho e se espalhassem como se eu pudesse continuar a ser um dessa forma. Não posso. Sei que não posso. Não quero. Também sei que não quero. Quando paro, quando penso, quando sereno, sei que não quero. Porque quando paro, quando penso, quando sereno, sei perfeitamente o que quero: ser quem sou, de cara levantada e olhos bem abertos.

Ah: e pés no chão (embora a alma teime em voar, Graças a Deus!)

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