Saio sempre a ganhar quando deixo que a vida me surpreenda. Quando não me encerro em mim mesmo, convencido que já vivi e senti o que de mais importante posso viver e sentir. Estes últimos dias, com a peregrinação a Fátima e tudo o que ela implicou de preparação e organização, com todas as dificuldades inerentes à caminhada, à falta de horas de sono, à comida fria e chão duro, deixaram-me um sabor a novo, ao qual devo agora juntar um olhar novo.
Peregrinar para Fátima não tem nada a ver com o peregrinar para Santiago. Olha-se para as pessoas, para o que levam vestido, para o que vão comendo nos carros de apoio, para a forma como andam, mancando quase todas, para os esgares dos seus rostos a cada passo e as lágrimas sofredoras da sua chegada, e percebemos que ir a Fátima a pé não é coisa de passeio mas de promessa. Não é coisa de gente mais ou menos bem, que vai a Santiago pelo puro prazer de ir (e nada contra, eu também o faço) mas de pessoas sofredoras que, num dos muitos momentos de aflição, não encontraram outro consolo que o colo da mãe.
Armado em chico esperto, eu contesto muitas vezes o sacrifício destas pessoas. Alego sempre que não é isto o que Deus quer, que não podemos trocar sofrimento por consolação, como quem troca arroz por dinheiro. Não é estas a lógica do Pai que nos ama e quer o melhor para nós. No entanto, basta-me estar junto de alguns destes sofredores para me calar e recolher-me no meu canto. Ainda agora na visita pascal, testemunhei mais uma vez as condições incríveis em que algumas pessoas vivem, bem perto de mim. E a minha filha, que desta vez foi comigo mas costuma ir noutra cruz, disse-me que a volta que ela dava tinha casos bem mais complicados. Em todas essas casas de sofredores tinha, invariavelmente, uma Senhora de Fátima. Como poderei eu, que nem sei o que é viver nessas condições, discutir o que é a esperança? Como poderei eu, com que arrogância, com que desfaçatez, aproximar-me de um pai que sofre pelo filho e chapar-lhe com a teologia na cara?
Peregrinar para Santiago é muito diferente de peregrinar para Fátima. Em caso de dúvida, olhe-se para o que os pés de uns e de outros calçam.
Lamento apenas que me esqueça disto demasiadas vezes. 

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