20120329
A nossa cruz
Ontem à noite tive um momento particularmente rico desta quaresma. Fui com o meu filho à Capela, um lugar que tem para mim um significado muito especial porque foi lá que me iniciei, por volta dos 15 anos, nestas coisas da fé foi lá que a comecei a transmitir e é lá que estão as minhas raízes profundas, a ponto de me sentir sempre em casa.
A determinado momento da celebração colocaram uma cruz no chão, ao jeito de Taizé, e convidaram as pessoas a irem rezar um pouco junto dela. Como sempre, estava num dos lugares do fundo e daí pude ver, à vez, a minha irmã, o meu irmão e o meu pai de joelhos junto à cruz. Depois também acabei por ir.
Enquanto lá estava senti como nunca que aquela cruz tinha sido o que nos manteve unidos. Apesar de tudo. Em tempos tivemos todos um negócio pelo qual batalhamos muito durante anos a fio mas que não conseguiu escapar a uma crise que então dava os primeiros passos. Todos dependíamos daquela empresa e todos ficamos com a vida muito atrapalhada. No entanto, nunca se ouviu uma palavra de recriminação mútua, uma acusação de menor empenho ou sabedoria. Nunca deixamos de nos encontrar, de festejarmos juntos quando era de festejar, de chorar juntos o que era de chorar. Sempre nos demos lindamente e fizemos questão que o mesmo acontecesse com os nossos filhos. Em tudo isto a nossa fé em Jesus Cristo - que vivemos de formas muito diferentes mas igualmente intensas e assumidas - foi a cola que nos manteve profundamente unidos, muitas vezes contra tudo e contra todos.
Ontem, quando eu próprio estava junto à cruz, senti como nunca que aquela era também a nossa cruz, que Jesus assumiu as nossas falhas de tal forma que possibilitou que nos mantivéssemos verdadeiramente unidos, amando-nos como sempre nos amamos, apesar das dificuldades. E que essa nossa cruz assumida por Jesus não era algo de figurado ou transcendente, mas muito real, muito efectivo, muito (ainda) dor partilhada por todos nós de cada vez que nos perguntamos como vai correndo a vida.
Nunca, como ontem, agradeci a Jesus por ter assumido a nossa cruz. É que os meus pais e os meus irmãos são uma parte muito importante de mim. E de forma alguma conseguiria viver sem a sua presença constante cá por dentro.
Dar a vida por amor é também isto: permitir que nós nos tenhamos uns aos outros.
20120307
Gosto de pensar que tenho algum pudor em invocar o argumento de Deus.
Alguns amigos meus vivem tempos difíceis. Despedimentos, fim dos subsídios, separações, doenças... parece que vivem tempos em que tudo o que é mau se junta para atacar ao mesmo tempo, explorando os limites da sua própria fragilidade. Como sabem que eu gosto de pensar as coisas, questionam-me muitas vezes qual o sentido de todas estas dificuldades, um sentido que eles não conseguem descobrir perante problemas de resolução tão difícil e que esperam que eu ajude a encontrar.
Eu tento, a sério que tento, mas não tem sido fácil. Por um lado é para mim evidente que colhemos o que semeamos, e que a memória é uma coisa muito gira, que tende a esquecer com enorme facilidade as coisas menos boas que fazemos e as oportunidades que desperdiçamos. Por outro lado, a falta de confiança uns nos outros, que se acentua enormemente em tempos de crise, multiplica o medo e conduz aos maiores disparates e ao cada um por si agravando o desamparo da solidão.
Depois... bem. Há coisas que para mim são claras, que aprendi à custa de bofetada da vida, mas que gostaria que não tivesse sido assim. E se me tivessem dito, naquela altura, enquanto a alma ardia, que era uma oportunidade para aprender e para mudar de vida, que daí viria algo de muito positivo, o mais provável é que eu desatasse a disparatar. Porque há aprendizagens que são apenas nossas, que devem ser apenas nossas, que são descobertas, que apenas fazem sentido porque nos implicam até ao tutano, porque nos remexem as entranhas tão intensamente que somos obrigados a repensar tudo, a reorientar tudo. E não há ninguém que esteja de fora, por mais sensato que pareça, que as consiga sequer entender, quanto mais tentar justificar. Até porque há situações em que apenas o silêncio partilhado é a mais sábia das respostas.
Essa descoberta, a do tempo de Deus na nossa vida, no nosso tempo, é um caminho feito na intimidade de cada um, no silêncio de cada um, no encontro de cada um com Aquele que tem sempre a mão estendida, à procura da nossa mão. Mas não é fácil entender. Tal como ensina Job, temos que saber esperar, contra todas as aparências, contra todas as evidências, que as coisas, um dia, farão sentido.
Até lá... resta-nos confiar.
Subscrever:
Mensagens (Atom)
Bambora
Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...
-
Somos bons a colocar etiquetas, a catalogar pessoas, a encaixá-las em classes e subclasses organizando-as segundo aspetos que não têm em c...
-
"Guarda: «Temos menos sacerdotes e, por isso, precisamos de valorizar, cada vez mais, os diferentes ministérios e serviços laicais nas ...
-
Sou contra o aborto. Ponto. Sou-o desde sempre. A base da minha posição é simples: acredito que a vida começa com a conceção. Logo, não é lí...