20230209

202302091029

O maior desafio da minha vida são os meus filhos. Já o eram muito antes de terem sido concebidos, muito antes até de eu sequer pensar em namorar. Não que eu racionalizasse muito o facto - aquilo que é verdadeiramente importante na minha vida é muito mais intuído que pensado (mais abandonado que controlado) - mas justamente porque sabia que havia uma série de princípios que sentia que seria da minha responsabilidade transmitir-lhes. A fé, o respeito, o compromisso, a educação do olhar, a liberdade e cuidado de descobrir o seu lugar no mundo sempre foram o caldo cultural onde foram cozinhados. Nunca fui muito de exigir resultados porque eu próprio valorizo muito mais o processo, o caminho, que as conquistas. O meu olhar dirigiu-se sempre muito mais para o empenho que para as notas, para o equilíbrio que para o sucesso, para o sentido que para a glória. Ao longo do seu percurso tive alguns amargos de boca, claro - foram bem maiores os que eu lhes provoquei - mas hoje, que são já todos adultos e já não pago mesadas a ninguém, são, sem dúvida, o meu maior orgulho e a certeza que, afinal, talvez tenha contribuído para que o mundo seja bem melhor. Por eles e com eles é-o com toda a certeza.

Sempre que estudo algo sobre a Bíblia, a fé ou a cultura em que estamos mergulhados - que, misturados com a psicologia e a filosofia, são os temas que me interessam verdadeiramente - tenho sempre os meus filhos como pano de fundo. Como lhes hei de transmitir isto? Como irei encaixar isto nas nossas conversas? Como conseguirei passar-lhes este lado da visão das coisas? Naturalmente, sendo eu pai deles, conto que eles desliguem ao fim de 15 segundos - isto se tiver oportunidade de dizer qualquer coisa, por entre discussões de política e saúde e leis e o que quer que seja - pelo que vou arranjando, meio inconscientemente, estratagemas para captar a sua atenção. E quando isso acontece - e como fico feliz quando isso acontece! (sem o deixar transparecer, claro) - sei que o verdadeiro desafio é o que virá a seguir: que, sendo eles livres, cultos, interessados e comprometidos com o mundo à sua volta, me vão colocar precisamente o seu lado da questão e que, não raras vezes me vejo na necessidade de voltar ao estudo do tema para lhes conseguir ir respondendo.

Ser pai é o grande cumprimento da minha vida. Afetivamente é avassalador, e há alturas em que pouco sobra. Intelectualmente é profundamente desafiante, porque é aquela parte que não cabe na expressão "pai é pai", não é um lugar que se tenha adquirido por nascimento mas que tem que ser conquistado. E esse sempre foi uma preocupação da minha parte. Talvez porque naquela parte em que "pai é pai", nem sempre tenha sido capaz de estar à altura, e os imagine a dizer isso com um sentimento de inevitabilidade, encolher de ombros e revirar de olhos.

20230208

202302081509

No princípio desta semana morreu uma das pessoas que admirava. No princípio da minha descoberta da fé conversamos algumas vezes, mas a minha admiração vinha mais da sua postura sempre discreta e sempre de serviço, que daquilo que ele dizia. Há pessoas assim, que falam sem palavras, com a vida vivida, sem palcos ou luzes, naquela aparente pequenez que engrandece a vida dos outros.

Naturalmente, fui ao seu velório, que estava cheio de velhos amigos meus. Malta com quem partilho algumas das melhores memórias da minha vida, com quem cresci e descobri o que é rezar e aprendi a ir sendo mais eu. Já não nos víamos há algum tempo, a não ser nas redes sociais, mas nunca nos perdemos de vista. Levava comigo, por isso, alguma expectativa da alegria do reencontro. Que não se confirmou. O que foi profundamente estranho. E inquietante.

Na verdade não é nada incomum sentir-me um peixe fora de água, sobretudo quando está muita gente. A memória da minha infância reveste-se muitas vezes das brincadeiras a solo que, depois de descoberta a leitura - comecei a ler muito cedo - se passava nas histórias que lia com os heróis que lia. Só quando fui para a capela - junto daqueles que agora via no velório - é que soube o que é a camaradagem e o crescer verdadeiramente com outros. Mas mesmo nessa altura, porque vivia num lugar que ficava longe de tudo, tinha-me apenas a mim por companhia nas longas caminhadas de idas e vindas da escola. Ao longo do tempo fui tendo esses dois mundos muito bem delineados: um, o do estar com os outros em que sou guitarra e canto e alegria exteriorizada; e o outro, porventura aquele que me é mais natural - seguramente mais confortável - o das caminhadas reflexivas e leituras solitárias com o pensamento e a imaginação desamarrada. Dois polos opostos que, na verdade, correspondem a dois aspetos da minha personalidade. Uma das razões da minha perene falta de inteireza é que eu nunca fui apenas um. 

Quando vínhamos do velório comentei que estava algo assustado comigo. Cada vez mais o recolhimento e o silêncio me são mais naturais e confortáveis. Cada vez mais gosto de me esquecer do tempo imerso na viagem que uma boa leitura ou um bom podcast me proporcionam. Cada vez mais tenho menos paciência para conversas de circunstância, cuja importância reconheço, mas que cada vez me dizem menos e custam mais. Talvez seja o tempo a fazer das suas, talvez seja o cansaço, talvez seja o retorno que dizem que vai acontecendo a partir de uma certa idade. A verdade é que não sei ainda se gosto disso. Mas preocupa-me. Não por minha causa, que me dou muito bem sozinho, entretido nas minhas coisas. Mas por causa daqueles que me são importantes. E que estão a estranhar.

20230203


Tenho-me debruçado mais, ultimamente, sobre a Bíblia. Seja por causa da oração matinal, seja pelo complemente exegético que me tem encantado, seja ainda por uma outra atividade que iniciei recentemente, a verdade é que voltei ao fascínio que o estudo da Bíblia sempre exerceu sobre mim. Esta semana, na oração matinal fiquei com uma expressão que me abriu horizontes - são as que eu mais gosto: Jesus não fazia magia, mas milagres. Vinha isto a propósito das dificuldades que Jesus sentiu ao anunciar o Reino aos da sua própria terra. Creio que é algo que todos nós, de alguma maneira, sentimos. Eu próprio já deixei de valorizar quando alguém lá de casa chega todo entusiasmado com uma novidade que eu já dissera há bastante tempo sem ter sido escutado. No entanto, não foi aí que se abriram portas. Foi no que pensei a partir daquela expressão: Jesus não fazia magia, fazia milagres. Pus-me à procura, mentalmente, o que separaria assim de tão fundamental uma coisa da outras e rapidamente cheguei à resposta: a magia apenas requer um espetador, o milagre é sempre antecedido de um desejo de conversão e de um ato de fé. Por isso Jesus, perante uma assembleia que estava mais agarrada ao que julgava conhecer de Jesus que à novidade que Ele apresentava, não conseguiu fazer qualquer milagre. 

Na verdade, ontem como hoje, ninguém consegue dar o que quer que seja a quem não o quer receber. Nem mesmo Jesus!

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...