20220526

Não tenho por hábito reler o que escrevo. Nem sequer para corrigir. Já na faculdade utilizava um método que sempre me deu bons resultados: gastava tempo a hierarquizar a resposta por tópicos que ia riscando à medida que os colocava na folha de exame. Colocado o ponto final, fechava o exame, exausto, e entregava-o assim, sem o reler. 

Na verdade, tendo a escrever como vivo: de supetão, sem pensar demasiado, atirando-me de cabeça, e espantando-me, mais tarde, com as enormidades que disse ou cometi. Durante imenso tempo, como não aprecio por aí além esta forma de ser, batalhei contra ela, forçando-me a ser outro, porventura de quem gostasse mais. Está bom de ver que esta sempre foi uma batalha perdida. E fui aprendendo a apreciar mais a autenticidade, ainda que esta acarrete maior confusão.

Não relendo o que escrevo, sou, no entanto, curioso à frequência com que o faço. Há alturas em que escrevo dias seguidos, em que transbordo (para mim a escrita é sempre um vomitar) dias seguidos como se não houvesse amanhã, em que todos os dias sinto, vejo, respiro algo que me faz sentir vivo e sinto necessidade de espelhar em palavras. E depois há... nada. Absolutamente nada. Ou melhor, há agendas e reuniões e trabalhos e orações e cânticos e tudo isso e muito mais tem que ser pensado e preparado e ensaiado e executado, ocupando todo o espaço em mim que deveria ser ocupado pelo lado B (de Belo) da vida. São as alturas em que me sinto pouco mais que um parafuso numa qualquer engrenagem que me despersonaliza e sei bem que uma pessoa despersonalizada nada tem a dizer, apenas tem a executar. Ou então são momentos (normalmente coincidentes com estes que acabei de descrever) em que a energia se vai, a vontade se vai, o olhar se vai, e tudo o que se deseja é, com o final do dia e da semana, chegar a casa e calçar as pantufas. E espanta-me sempre a facilidade com que fazemos do nosso e dos nossos o intervalo, e não o filme da nossa vida, como se a razão da nossa existência fosse fazer, e não ser!

Mas ando nesta vida há tempo suficiente para saber como tudo isto é cíclico. E necessário. Que vivemos (eu e os que me rodeiam todos os dias) num tipo de missão que exige nada menos que tudo o que temos para entregar, por amor - ainda que por vezes tenhamos necessidade que nos recordem que é por amor que o fazemos. Que, bem vistas as coisas, seria de difícil compreensão que chegássemos à fase final de cada ano letivo como se o estivéssemos a iniciar. Que, quando olhamos para trás, ou encontramos um rasto de pegadas profundas, ou percebemos que nem sequer caminhamos e apenas o tempo passou. Na verdade, quem caminha sabe que não há marcas quando se levita inocuamente sobre a vida, mas prefere a dor nos músculos das pernas cansadas da caminhada. É, ando nesta vida há tempo suficiente para perceber que, se nesta altura do campeonato estivesse fresco como uma alface, radiante e sem queixume, seria um péssimo sinal. 

Abraço, por isso, estes momentos como tento abraçar a vida: por inteiro, fazendo-os meus, antecipando o sorriso do futuro. Afinal, como sabiamente diz o Padre Almiro, mais vale uma vida gasta que uma vida enferrujada.

20220511

 

Não sou muito das redes sociais imediatas. Acho-as, hoje, fundamentais para comunicar aquilo que é breve e passageiro, mas prefiro o que deixa lastro. Por isso sou mais de blogues e de podcasts. Hoje de manhã ouvia um dos muitos podcasts que oiço onde se discutia a última prova de Formula 1, que aconteceu em Miami. Nunca tinha acontecido ali uma prova antes e o que o repórter disse foi que aquilo teve imensa gente, muita animação, mas que apenas 5% dos que estavam lá é que viram a prova ou sabem sequer o que é a Formula 1: os restantes foram apenas para o espetáculo e estariam qualquer que fosse a modalidade. E concluiu "se calhar é isso que é suposto acontecer e eu estou a ser demasiado exigente". Eu pensei imediatamente nas JMJ, que acontecerão no próximo ano. Nada a haver? Na minha opinião, tudo. Sim, será um enorme espetáculo, sim, terá milhares de pessoas, de jovens, sim, será um enorme acontecimento para a Igreja, para Portugal, para o mundo. Será? Até pela minha história de vida, acredito que Deus nos fala por meio de muitas circunstâncias e de muitas pessoas, que Ele está onde menos se espera e em quem menos se espera. E já tive o privilégio de testemunhar algumas dessas formas que Deus tem de se encontrar no íntimo de cada um - em Taizé tantas vezes! - e a transformação que fez acontecer a partir desse encontro. Também já acompanhei pessoas - novas e menos novas - a deixarem diluir Deus nos acontecimentos das suas vidas até O sentirem como um incómodo e a Ele regressarem quando "os ossos doem" e precisam de um amor maior. Acredito, por isso, que todas as pessoas e todos os lugares são possibilidades de encontro. Também as JMJ. Mas não acredito em multidões. Não para além do frenesim interior que, sendo intenso, tende a ser passageiro e em tudo semelhante a um concerto de música pop. É bom? É ótimo. O espetáculo, o estarmos muitos, aos saltos, sentidos à for da pele, a sintonia da multidão vibrante unida num mesmo objetivo, é profundamente inebriante. Eu próprio o farei, este fim de semana, em pleno Dragão, na celebração de mais um campeonato do meu FCP. É significativo para a vida? Em alguns, raros, casos, poderá ser. Mas no que toca às coisas de Deus, acredito que Ele escolhe o pequeno.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...