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Acabo de receber a notícia da morte de mais um amigo, neste tradicionalmente nefasto mês, neste demasiado nefasto ano. Como sempre, há o toque a recolher das imensas memórias do imenso que fizemos juntos, particularmente quando éramos ambos novos e vivíamos a cumplicidade da idade da procura. Depois, como acontece com tantos de nós, acabamos por seguir rumos diferentes, sem nunca perdermos os pontos de contacto que nos mantinham debaixo da vista.  Na última vez que conversamos estávamos todos em recolhimento forçado. Ontem mesmo enviava um beijinho à sua mulher, nossa companheira no tempo das descobertas, sua desde sempre. E para o seu sempre. 

À medida que o tempo passa vamos conversando sobre a morte. De coisas tão simples como códigos e palavras passe e contas e procedimentos que se devem adoptar para que ninguém fique de repente com as calças na mão. Há três ou quatro anos estas eram conversas quase impossíveis de se ter. Eu andava obcecado com a forma como me apresentaria diante de Deus e com a mania de morrer como os elefantes - sozinho, afastado de todos - e isso era insuportável para os meus. Entretanto, resolvi-me, pacifiquei-me e reencontrei-me. E aos meus. E isso é bom. No sábado, quando vínhamos de cuidar da campa dos nossos, disse que gostaria que fossemos enterrados juntos, o que é uma grande e significativa mudança, depois de toda a vida ter insistido que queria ser cremado. Depois rimo-nos, constatando a nossa caminhada para a velhice, apreciando-a e sonhando com o imenso que virá. 

Creio que seria mais ou menos esta a tranquilidade que a minha avó sentia quando vestia a roupa que escolhera para o seu funeral, se deitava na cama em posição de morta (como ela dizia) e dizia a Deus que estava pronta. "Depois, filho, ao fim de meia hora, percebia que não era hoje e troquei de roupa e fiz a minha vida", dizia-me ela entre risos. Recordo-nos e Às nossas conversas muitas vezes! Mas isso era uma coisa: a minha avó estava nos noventas de uma vida cheia de peripécias mais más que boas mas tinha-se reconciliado consigo, com Deus e com a Vida.

Outra coisa diferente, muito diferente, é esta malfadada notícia.

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