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Eu acredito que um dia estarei de frente para Deus. Acredito que ele me acolherá, com o Seu amor de Pai, e me confrontará com a minha vida. Acredito que nos sentaremos numa conversa onde o tempo é sem tempo, que é o que acontece com quem se ama. Hoje estava na eucaristia e pensava nisto. O meu pároco dissera na homilia que ninguém se salva sozinho e nessas alturas eu sorrio sempre, agradeço sempre. Eu sei, desde sempre, que sozinho não teria a mínima hipótese. Sei-o desde sempre porque desde sempre fui resgatado por quem me ama o suficiente para me salvar de mim próprio. Sempre tive quem me dissesse "basta", quem me acordasse e abanasse e me fizesse chegar onde eu jamais chegaria sozinho. Às vezes, naquelas vezes em que preciso de ver o outro lado da vida, gosto de pensar que se calhar isto é também um dom. Deixar-me levar, deixar-me conduzir para melhores lugares de mim. Ou então ser suficientemente amável pelos outros, ao ponto que eles se preocupem verdadeiramente comigo, ao ponto de me verem para além de mim. No entanto, mesmo nesses dias, o que sinto é gratidão. Porque alguém que é moldável pode sê-lo de muitas maneiras. E se acredito e confio que, um dia, estarei junto do Pai em amena conversa de quem se ama, é porque Ele entenderá que, apesar de mim, foi o Amor dos outros que me salvou.

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Acabo de receber a notícia da morte de mais um amigo, neste tradicionalmente nefasto mês, neste demasiado nefasto ano. Como sempre, há o toque a recolher das imensas memórias do imenso que fizemos juntos, particularmente quando éramos ambos novos e vivíamos a cumplicidade da idade da procura. Depois, como acontece com tantos de nós, acabamos por seguir rumos diferentes, sem nunca perdermos os pontos de contacto que nos mantinham debaixo da vista.  Na última vez que conversamos estávamos todos em recolhimento forçado. Ontem mesmo enviava um beijinho à sua mulher, nossa companheira no tempo das descobertas, sua desde sempre. E para o seu sempre. 

À medida que o tempo passa vamos conversando sobre a morte. De coisas tão simples como códigos e palavras passe e contas e procedimentos que se devem adoptar para que ninguém fique de repente com as calças na mão. Há três ou quatro anos estas eram conversas quase impossíveis de se ter. Eu andava obcecado com a forma como me apresentaria diante de Deus e com a mania de morrer como os elefantes - sozinho, afastado de todos - e isso era insuportável para os meus. Entretanto, resolvi-me, pacifiquei-me e reencontrei-me. E aos meus. E isso é bom. No sábado, quando vínhamos de cuidar da campa dos nossos, disse que gostaria que fossemos enterrados juntos, o que é uma grande e significativa mudança, depois de toda a vida ter insistido que queria ser cremado. Depois rimo-nos, constatando a nossa caminhada para a velhice, apreciando-a e sonhando com o imenso que virá. 

Creio que seria mais ou menos esta a tranquilidade que a minha avó sentia quando vestia a roupa que escolhera para o seu funeral, se deitava na cama em posição de morta (como ela dizia) e dizia a Deus que estava pronta. "Depois, filho, ao fim de meia hora, percebia que não era hoje e troquei de roupa e fiz a minha vida", dizia-me ela entre risos. Recordo-nos e Às nossas conversas muitas vezes! Mas isso era uma coisa: a minha avó estava nos noventas de uma vida cheia de peripécias mais más que boas mas tinha-se reconciliado consigo, com Deus e com a Vida.

Outra coisa diferente, muito diferente, é esta malfadada notícia.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...