20200129

decidir


Dirigir é, naturalmente, inevitavelmente, um processo solitário. 

Quando trabalho em equipa - algo que não me é natural mas imposto por mim - distingo três momentos distintivos: o da chuva de ideias, o da discussão de ideias e o da aplicação das ideias. De todos, o meu preferido é o da chuva, onde cada um diz o que lhe vem à cabeça, mesmo que seja completamente estapafúrdio. Daqui, por entre risos e descobertas, nasce sempre o fora da caixa, o impensado, o imprevisível, e o que deixa marcas naqueles para quem trabalhamos, que é o mais importante. Aquele em que tenho mais dificuldade - e que exige uma maior concentração da minha parte - é o da concretização. Porque não me é instintivamente tão natural, tenho que apontar tudo e estar permanentemente a impor-me ligar à terra, e agir. 

No entanto, independentemente da equipa, há um momento de solidão. Breve e agradável, quando a equipa funciona, longo e penoso quando algo falha. É quando olho em volta e tento perceber com quem posso contar, quem irá ter dificuldades, quem tem outras motivações que não as comuns à equipa. É quando analiso o discutido e antevejo o resultado. Quando a equipa funciona, dura segundos. Quando tem problemas, dura imenso tempo. Que é sempre difícil.

E depois, quem tem a responsabilidade de decidir não pode ter a expectativa de agradar. Não a todos. Haverá sempre cedências e compromissos e, inevitavelmente, falhas, que, uma vez constatadas, nos fazem perguntar - muito antes de o ouvirmos - se fizemos o que deveríamos ter feito. O que, quando corre mal, nunca foi o caso.

20200108

permanecer



Permanecer, depois da realidade, é uma das grandes maravilhas do amor. 

Tenho visto uma série que me tem lançado algumas interrogações: Messiah. Não tanto porque aborda a eventual revisita do Messias, mas mais por causa das tramas relacionais e afectivas que giram à volta desse acontecimento. De amor e de desamor. Numa delas - a que conta para aqui - é entre um pai e a sua filha que, com o apoio da mãe, fez um aborto.

Há no amor uma forte carga de encantamento, de alguma ilusão até. Quando estamos apaixonados, quando amamos, sentimo-nos capazes de mover montanhas, ainda que por vezes nos tenhamos que render mais ao projecto que à realidade. Na fase de encantamento tudo é possível, tudo é desejável, tudo é bom e maravilhoso. À medida que o tempo passa, no entanto, a realidade vai alternando com o encantamento e nessa altura dá-se a prova dos nove. Quando se ama, verdadeiramente, permanece-se, ainda que possa ser necessário ajustar o amor à realidade: reconfigura-se o amor e nós com ele de forma a permitir que sejamos habitados por dentro por aqueles que amamos. 

A maravilha é que este amor, reconfigurado, recondicionado, realizado (confrontado com a  realidade), não é em nada menor que quando encantado. Justamente porque foi já provado, porque porventura já teve justificação para terminar ou não existir, justamente porque superou a fase de encantamento, ganha agora uma nova importância que decorre do lugar que cada um ocupa dentro de quem ama. Não é a idealização que se ama, é a pessoa em si, inteira, exactamente como é, com as suas qualidades e imperfeições, que, por ser assim, assume uma importância fundamental na vida de quem ama. qualquer que seja a forma que esse amor reveste. Ama-se e é-se amado como e pelo que se é.

E isso é verdadeiramente libertador!

20200107


Nas parcas mensagens de votos de feliz ano que enviei no último dia do ano que passou, formulei os votos de sabedoria e tranquilidade. Se a estas adicionarmos serenidade, temos a minha busca mais permanente. É recorrente desejar aos que me são importantes aquilo de que mais necessito. Talvez seja porque me são importantes - as pessoas e os desejos - talvez seja porque tenho esperança no retorno, talvez seja porque não consigo ver senão pelos meus olhos e projeto-me nos que me rodeiam.

Quando penso em sabedoria e serenidade penso sempre em Jesus. Ontem, enquanto descobria o "Ei-lo" de Samuel Úria, desejei, mais uma vez, essa força. A capacidade de esperar, de dar lugar e ouvidos e vez, de estar suficientemente seguro para que os outros possam ter lugar em mim, de permitir que os outros sejam. É-me sempre difícil fazê-lo, principalmente quando estou numa posição que exige orientação e assumção de responsabilidades, sobretudo quando impera o medo infantil de desiludir alguém que confiou em mim. 

Não têm sido muito fáceis os tempos e nestas alturas vem-me sempre à memória o postal que o Padre Ferreira me deu no 9º ano: "o homem mede-se com o obstáculo." Eu normalmente fujo correndo e arranjando mil e uma boas justificações para o fazer. Agora, pelo contrário, não pretendo ir a lado nenhum. Cá estou e cá estarei enquanto mo permitirem. E estar, ficar, permanecer, implica a abertura à exigência do melhor de mim neste momento.

É uma aprendizagem, uma nova e uma outra aprendizagem, que, confio, contribuirá para que eu me apresente a Deus mais próximo das Suas expectativas.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...