20190831


Saborear. Esta é a palavra chave: saborear. Chego demasiadas vezes à conclusão que a expectativa dá cabo de tudo. Que se estiver aberto ao que é, e menos ao que gostaria que fosse, vivo melhor porque vivo mais feliz. E saboreio o que a vida me dá em vez de me frustar.
Há uma parte de mim que é mais ou menos obsessiva. Gosto do processo de organizar. E organizar é antecipar cenários: aqui acontecerá isto e eu precisarei daquilo naquelas condições. Pode ser contraditório com o saborear, mas é justamente essa antecipação de cenários que me permite depois saborear melhor. Porque, pelo menos para mim, saborear e acaso não conjugam. Eu preparo antes para poder saborear quando as coisas acontecem, à medida que as coisas acontecem. E se acontecerem à minha medida, melhor.
Quase sempre, não reajo bem ao imprevisto. O meu primeiro impulso é quase sempre barafustar. Estava tão bem! Estava tudo tão bem pensado! Tinha tudo tão preparado! Expectativa, expectativa, expectativa! A minha sorte é que, logo após a esta reação instintiva, normalmente consigo encaixar a realidade nos diversos cenários antecipados e reagir adequadamente.
Passei estes últimos dias de férias a preparar o próximo ano. Faço esquemas sobre esquemas, escrevo a mesma coisa várias vezes, na ânsia que as ideias, ao passarem para o papel, deixem finalmente a minha cabeça em paz. Escrevo e reescrevo, leio, organizo, preparo. Sabendo - porque a vida mo permite saber - que, logo que o apito soe, pouco acontecerá como tinha antecipado. Mas que, se não o tivesse feito, se não tivesse antecipado cenários e respostas aos cenários, não seria capaz de aproveitar a viagem. E isso, sim. Sempre foi para mim o intuitivamente mais importante: saborear cada momento da vida que me é dada a viver. Esquecendo os cenários. Esquecendo as expectativas. Aproveitando a vida.
Confuso? Sim, este sou eu.

20190825


Enquanto solávamos numa esplanada junto à praia, olhava as pessoas que passavam no solarengo sábado de agosto. Adoro olhar as pessoas que passam. Ver como andam, com quem andam, ouvir os fragmentos das suas conversas que me entram nos ouvidos na sua passagem por mim. Particularmente os casais mais velhos que nós que ainda caminham de mão dada e me fazem acreditar que, apesar de tudo, o amor ainda acontece. 
Foi justamente quando um desses casais passou junto à esplanada onde estávamos que dei comigo a sonhar, de olhos abertos, com o futuro. Não é que espere ou deseje que ele venha a passos rápidos - eu tenho tempo! - mas é que nem me assusta nem, se as coisas correrem pelo melhor, me impedirão de fazer aquilo que mais gosto. 
Na realidade, continuo a sonhar com a casa da colina à beira mar, com longos passeios recheados de excelentes conversas na melhor das companhias. Sonho com a antecipação da visita dos que amo, preparando, para cada um deles, um cesto com as coisas da nossa horta, das nossas árvores de fruto. Sonho com o meu canto sossegado para as minhas leituras, para a minha música, para os meus filmes, já não como espaço de refúgio mas de equilíbrio. Sonho com as nossas manhãs e os nossos finais de tarde, à beira mar, com a serenidade e beleza de uma vida saborosamente recheada.
Sonho imenso com o futuro. Sempre sonhei. Ou melhor, quase sempre, porque também a minha vida teve alturas em que não conseguia ver o amanhã, quanto mais o futuro. Mas este é, provavelmente, um dos segredos do meu otimismo: consigo ver, quase saborear, o que está para vir. 
Também isto é fé.

20190821


Tenho aproveitado estas férias para ver filmes. Um deles, que estava na carteira há muito tempo, é "A Queda", que relata os últimos dias passados no bunker de Hitler. Um filme densíssimo, violentíssimo, durante o qual tive que registar algumas das interrogações que me suscitou, até como forma de lidar com tamanha violência. Sobretudo as perpetradas pelos pais aos seus filhos, que desde que sou pai nunca consegui ver da mesma maneira.
Uma das reflexões que me surgiu e que me intrigou foi que, no final, a passividade de uns e de outros face à morte era muito semelhante. Se os judeus aceitavam morrer sem se revoltarem, no final os militares mais fiéis a Hitler fizeram o mesmo: suicidaram-se mesmo quando nada o exigia. Em nome de quê uns e outros aceitavam morrer? Em nome da dignidade? Em nome da vida? Em nome da morte? Em nome da adesão total a uma religião ou a uma ideologia?
Temos que ter muito cuidado com o lobo que alimentamos dentro de nós. Com aqueles que escutamos, com aqueles que lemos e vemos e por cujos ideais pautamos a nossa vida. No filme, a forma como Goebbels e Hitler desdenharam do povo, responsabilizando-o pela escolha de os colocarem no poder e até da destruição da Alemanha, é muito impressionante. Até porque, no fundo, é verdadeira: foi o povo alemão que, em massa, votou para que Hitler cometesse todas aquelas atrocidades.
Existe, ao  longo de todo o filme, a dicotomia entre um fanatismo completamente irracional por parte dos próximos de Hitler que contrastava com a sua evidente demência e incapacidade de se aperceber da situação.
É um filme muito inquietante que, como todos os bons filmes, vai andar cá por dentro algum tempo.

20190812


Já escrevi algures por aqui que o Tempo traz consigo uma outra perceção das coisas. Que, quando as coisas correm bem, não é mais premente mas desliza em sentido oposto, o da suavidade, da serenidade. É até paradoxal, porque à partida o que se imaginaria era que, tendo nós menos tempo, teríamos mais pressa. Não tem sido assim.

Talvez esteja a escrever isto influenciado pela serenidade destas férias. Mas é justamente disso que estou a falar. Estamos numa fase da vida em que poderíamos fazer outras escolhas. Os filhos vão sendo cada vez mais autónomos, vamos tendo mais folga financeira, sobretudo quando comparada com os aflitivos anos que já tivemos, e no entanto, o que escolhemos vai tomando o caminho da simplicidade e, sobretudo, da serenidade. Nada de aeroportos, nada de viagens longas, nada do temo vertiginoso de outros tempos em que chegávamos ao trabalho mais cansados do que tínhamos saído. Vemos como algumas das escolhas dos nossos filhos vão nesse sentido e damos Graças por não ser já esse o nosso tempo.

Saber envelheSer pode ser complicado. Mas é fundamental. O nosso corpo é já outro, respondemos a diferentes estímulos, e o que desejamos profundamente não tem muito a ver com aventura radicalidade mas com a radicalidade do encontro profundo. É diferente. Muito diferente!

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...