20190524
Como qualquer mortal pensante, estou mais ligado a algumas ideias, que expresso em palavras idênticas, e resultam de uma linha de vida que, para o bem e para o mal, vai sendo a minha. Olhares, escutas, caminhos, juntos, tempo, parecem ter lugar cativo naquilo que escrevo apenas porque têm lugar cativo no que vivo.
No entanto, por vezes acontece ver, ler, ouvir, deparar-me de alguma forma com algo que escapa a esta dinâmica. Acontecimentos curtos ou esporádicos, que nada teriam para acamparem cá por dentro de são fosse uma palavra, um olhar, algo que me causasse espanto verdadeiro - o que, talvez fruto da idade, vai sendo cada vez mais difícil.
Mudei de operador de tv e net e tiveram que ir uns senhores lá a casa instalar o serviço. Dois. Brasileiros. Ambos na casa dos 30 e muitos, 40 e poucos. Um deles absolutamente normal. Outro, porém , com um olhar que ainda anda por aqui: triste, sofrido, mas grato. Como estivemos juntos a manhã toda, a determinada altura conversamos um pouco. Este homem, o do olhar, estava cá há um mês. Veio com a mulher e dois filhos, de dois e cinco anos. A meio do caminho percebeu que fora burlado e viu-se, com a sua família, num país completamente desconhecido, sem dinheiro nem lugar para ficar. Não virou a cara à luta - porventura até por falta de alternativa - e agora andava à procura de casa para alugar. Muito grato aos portugueses, que os acolheram como se fosse da família - palavras dele - e de quem só diz bem.
Calculo que seja preciso um estado de desespero absoluto para alguém se aventurar a ir para um lugar desconhecido com mulher e dois filhos pequenos. Desespero e confiança. Realmente as coisas mudam quando não as lemos mas as escutamos diretamente, quando o que vemos não são recortes de jornais ou fotos de redes sociais mas olhos, doridos, como o que tinha diante de mim.
Aquela curta conversa anda ainda cá por dentro. Penso como ele estará, se já encontrou casa, se a sua mulher já trabalha, se os seus filhos dorme à noite. Dá vontade de pegar neles, não para os meter numa redoma mas para os proteger, e tentar tudo para que possam ter as condições de sustentar a sua família com dignidade e possibilidade de futuro. Afinal é para isto a política, para ajudarmos a criar as condições para que todos possam ser felizes.
20190509
Disse à mesa que o Jean Vanier iria ser santo rapidamente. Como é hábito quando falo nestas coisas cuja importância os meus filhos ainda não entendem, fui olhado de lado, meio no gozo, como se eu vivesse noutro mundo. Como é hábito, sorrio e deixo que a vida se instale.
De há uns anos para cá - creio que depois de visitar a campa do Ir. Roger - tenho vindo a perceber como é importante termos contacto com santos. Atuais. Conhecermos a vida deles, lermos os seus escritos, contactarmos diretamente com a sua obra. Na verdade, pouco sei da sua vida concreta, mas o seu legado é uma lição de vida. Tanto o Ir. Roger como Jean Vanier são parte da nossa casa, apesar de nunca lá terem estado. Os meus filhos estão ou estiveram envolvidos com a dinâmica de vida e oração de Taizé e estão ou estiveram envolvidos na dinâmica de acolhimento do Fé e Luz. Não conhecemos os seus fundadores pessoalmente e, no entanto, pautam alguns dos momentos das nossas vidas. E isso é bom. Muto bom. Ainda que eles ainda não o consigam perceber.
Recordo-me da controvérsia que eu provocava sempre que dizia que o Papa não tinha mais responsabilidade que eu ou qualquer cristão na transmissão da fé. Claro que tudo o que ele diz ou faz tem uma outra dimensão mas acredito que aquilo que cada um de nós diz ou faz é igualmente importante. Para a formação da fé dos filhos o testemunho dos pais é mais importante que o do Papa, para a aprendizagem do processo de escolhas também, e acontece o mesmo na forma como a fé se plasma ou não no concreto da vida vivida. A minha responsabilidade na transmissão da fé é igualzinha à do papa. Temos papéis diferentes mas temos a mesma responsabilidade. Se não aos olhos dos homens, pelo menos aos olhos de Deus.
Da mesma forma, acredito que pessoas como o Ir. Roger e Jean Vanier e uma imensidão de outras cujos nomes desconhecemos fizeram muito mais para a vida de fé de alguns jovens que todos os papas juntos. Não são menos ou mais por isso, são diferentes. Assim como eu e qualquer cristão. Por isso é muito bom quando descubro que tenho para quem olhar para, pelo menos em alguns aspetos, tomar as medidas da minha própria vida. Se a minha referência fundamental é Jesus - é com Ele que me meço todos os dias - fico sempre feliz quando confirmo que outros apostam a vida em fazer o que Ele fez. E, Graças a Deus, à minha volta encontro, todos os dias, pessoas assim, que, quando me meço com elas, saio a perder. É sinal que estou no caminho certo.
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