20240531

Não há momento, na minha vida religiosa, que necessite tanto do meu salto de fé como a eucaristia. Eu acredito na Eucaristia. Eu necessito da eucaristia. Muito. Acredito em Jesus à volta da mesa, acredito na partilha, acredito na comunhão, acredito na comunidade, acredito no companheirismo, acredito no reconhecimento, acredito do Cristo que nos habita, acredito que o Espírito Santo está efetivamente entre nós...

Mas já tenho muita dificuldade em acreditar quando me dizem: ajoelhai-vos, está a passar o rei do universo, tenho muita dificuldade em acreditar que o sacerdote não possa tocar no ostensório quando, momentos antes, na consagração, tocou no Corpo, tenho muita dificuldade em acreditar nas procissões, no pálio, em toda aquela ostentação que nos pede para olharmos para o chão e vez de olharmos uns para os outros. Quando testemunho tudo aquilo penso logo no Deus do Antigo Testamento, que nos exige submissão e não nos oferece amor. Imagino Jesus a descer o Monte Sinai e a ver-nos, embasbacado e magoado, a continuar a adorar com símbolos um Deus que Ele nos disse que é Pai. 

Ontem participei na eucaristia, não participei na procissão. Sinto-me sempre mal, muito pouco genuíno, quando percebo que também eu faço parte de todo aquele aparato, do qual não acredito, com o qual não concordo e que nada tem a ver com a minha fé em Jesus. Esta não é a Igreja a que pertenço. 

Eu sou do pequeno. Do simples. Do quotidiano. Do comum. Do olhos nos olhos. O aparato é coisa dos homens, de quem precisa do "de cima para baixo", de quem se acha herdeiro do "de cima para baixo", de quem se acha gestor do "de cima para baixo". E estes, claro está, nunca estão em baixo. Eu prefiro o de dentro para fora. Eu prefiro Jesus à Igreja. E esta distinção deixa-me, invariavelmente, muito triste.

20240529

202405291642


Isto esteve colado a semana toda na porta da sala dos professores. Ironia nas ironias. Logo na sala dos professores. Logo nesta altura de testes e notas e reuniões em cima de reuniões, de avaliações, de tensões. Não é fácil ser professor aqui. Menos que tudo é pouco. Menos que tudo e sentimo-nos pouco. Mesmo que já não haja dedos apontados, mas a exigência de nós para nós próprios é implacável. Não acontece com todos. Nunca acontece com todos. Mas acontece com alguns. A maioria, eu diria. Os que vestem a camisola e encontram algum tipo de compensação. Seja no sentido do que se faz, seja na camaradagem, seja no brio profissional, seja porque o outro também faz e o seu exemplo impele-me a fazer. Antes assim. Eu teria dificuldade em viver de outra maneira. E sei do que falo: fi-lo anos a fio, noutros lugares, e estava longe, muito longe de ser tão feliz como sou, aqui, (quase) todos os dias.  

 

202405290756

“Já há demasiadas bichas”. Esta foi a declaração que percorreu o mundo e porquê? Porque foi proferida pelo Papa Francisco. A informação foi avançada pela imprensa italiana e dava conta de que o Papa usou o termo italiano “frociaggine”, uma espécie de calão que em português se aproxima de algo semelhante a "bichas" ou “maricas", proferida no passado dia 20 durante um encontro à porta fechada com bispos italianos.

O Vaticano já reagiu e pediu desculpa pelas declarações do Papa Francisco. Em comunicado emitido esta terça-feira, e divulgado pela agência italiana ANSA, lê-se que "o Papa nunca teve a intenção de ofender ou de se exprimir em termos homofóbicos, e pede desculpa a quem se sentiu ofendido pelo uso de um termo referido por outros.”.

 “Como ele afirmou em várias ocasiões, 'Na Igreja há lugar para todos, para todos! Ninguém é inútil, ninguém é supérfluo, há lugar para todos. Tal como nós somos, todos nós”, pode ler-se no comunicado.

 

https://sicnoticias.pt/mundo/2024-05-28-vaticano-pede-desculpa-apos-declaracao-polemica-do-papa-sobre-homossexuais-a31a9237

 

Os lapsus linguae são tramados. Porque, mais cedo ou mais tarde, tramam todos os que dizem coisas sem convicção, na casca, no politicamente correto, e que não está em sintonia com aquilo em que se acredita. O jargão popular diz-nos que se apanha mais rapidamente um mentiroso que um coxo, e isto é bem verdade. Na semana passada foi o presidente do Sporting que, falando supostamente em off, disse que não pretendia apenas vencer, mas esmagar o FCP. Agora o Papa, com a questão dos "maricas". Um e outro estavam à vontade, em off, e permitiram-se dizer aquilo que realmente pensam. Nada que não aconteça comigo. Também eu, por vezes, sou grosseiro, sobretudo junto daqueles que me são mais íntimos e com quem me sinto particularmente à vontade. Sou, o que se diz, um desbocado: nas condições certas, as coisas saem pela boca sem passar pela cabeça. Por isso normalmente tenho tanto cuidado comigo, por causa do cheiro a bairro que me está entranhado. E isto é um problema. Ou pode ser. Poderia ser até bom se o que digo nessas circunstâncias correspondesse ao que efetivamente penso. Mas corresponde mais ao que sinto naquele momento que ao que penso. E o que sinto é quase sempre brincadeira, é o à vontadinha, o clima de laracha, o despertar do riso e da alegria partindo do princípio que, como estou entre os meus, todos me conhecem o suficiente para conseguirem destrinçar o que digo a sério do que digo a brincar. Não me aprece que tenha sido esse o caso do Papa Francisco. Parece-me que ele, provavelmente, estaria mais cansado, mais à vontade e, sobretudo, com menos filtros. E disse exatamente o que pensa. Há um lado, no padre Francisco homem, que acredito seja instintivo e contraria o institucional Papa Francisco fofinho: sobretudo quando fala das mulheres e dos homossexuais tem muita dificuldade em conciliar o seu "Todos, todos, todos" - que, acredito, é o que vai ficar para a história e se vai tornando uma armadilha fatal para ele próprio - com, efetivamente, todos. Quanto se lhe é colocada esta questão ele dá voltas e mais voltas sem responder claramente e eu lembro-me sempre da nova ordem da Quinta dos Animais, do Orwell: "todos os animais são iguais... mas uns são mais iguais que outros". A verdade é que temos, todos, todos todos, ainda muito para caminhar.

20240528

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O meu amigo frequenta uma igreja de imigrantes caribenhos no centro de Los Angeles. Um dia, o seu pastor pregou: 

Imaginem que estão a passear na baixa de Los Angeles, ou em Chicago, ou em Nova Iorque. Um homem nu corre à vossa frente no passeio, gritando e praguejando. O que é que fazem? A maior parte de nós, claro, atravessa a rua rapidamente. O tipo não está bem, pensamos nós. 
Mas imagine que vive numa pequena cidade com cerca de cinquenta casas. Um dia, está a passear quando um homem nu passa à sua frente no passeio, a gritar e a praguejar. E como vives numa cidade pequena, conheces esse homem... é o Henrique. Na semana passada, por acaso sabes, houve uma tragédia terrível e o fogo queimou a casa do Henrique, deixando-o sem nada. O que é que tu fazes?  “Henrique”, dizes tu, “vem comigo, amigo. Precisas de uma refeição quente e de um lugar seguro para ficar”.  

O que é preciso para mudar a nossa consciência colectiva de estranho que não está bem para Henry, o meu vizinho, criado à imagem de Deus? 

O desafio é imaginar uma realidade fundamentalmente diferente: um mundo em que reconhecemos e lutamos pela dignidade uns dos outros. Um mundo em que ... treinamos os nossos corações para ver até mesmo as pessoas que os outros podem tornar invisíveis. Um mundo em que reconhecemos que nós - imagens do Divino - estamos todos ligados uns aos outros pelos laços da vida. E o nosso trabalho mais difícil e mais sagrado é não desviar o olhar.

https://cac.org/daily-meditations/knowing-our-neighbors/

Este é sem dúvida, um dos meus desafios maiores: não desviar o olhar. Ainda vivo muito de acordo com a lógica dos meus e dos outros. No fundo, no fundo, acredito que a radicalidade do serviço ao outro exige total dedicação, exige libertação total das amarras a que nos prendemos, das responsabilidades outras que assumimos em função das escolhas que fazemos. Quando penso nesta radicalidade penso sempre na Madre Teresa de Calcutá. Menos que isso já é compromisso, já é distração, já é outra coisa. A dedicação total pelo outro exige uma liberdade que eu não tenho. Porque tenho mulher e filhos e reuniões e encontros e compromissos e fiz escolhas diferentes. Por isso as pessoas consagradas são tão importantes, tão decisivas, na vida da Igreja. De que outra forma se pode ser radicalmente do outro que não se conhece? Mas, ainda assim, mesmo nas minhas circunstâncias, mesmo nos meus compromissos, quem me dera sair vencedor de mim mesmo e permitir-me olhar!

20240524

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Ando fora da linha. Sinto-me um desalinhado. Em quase tudo.  

Não sou pessoa de redes sociais - só mantenho o twitter, o resto eliminei há pouco tempo – mas sempre fui de blogues e podcasts. Talvez porque ambos privilegiem a palavra e não o fugaz. Quem escreve ou quem fala tem a possibilidade – quando não a obrigatoriedade – de explanar o que pensa, o que diz e porque o diz. Isto tem-me permitido ir conhecendo as opiniões dos políticos, dos jornalistas, dos comentadores, ou mesmo dos anónimos como eu – alguns que sigo e com quem troco impressões há anos - o que me fornece ferramentas para que eu próprio possa enriquecer o meu pensamento. Claro que aqui e ali vou sendo influenciado pelo que leio e oiço - se assim não fosse, estaria apenas a perder tempo – mas ultimamente sinto-me cada vez mais a solo, sobretudo face à irrazoabilidade que vai sendo  cada vez mais comum. Seja na Igreja, seja na política, seja no futebol, seja em qualquer outra dimensão mais ou menos pública, parece que a palavra da ordem é a desordem, o insulto fácil, o extremar das posições, onde a ponderação é vista como sinal de fraqueza. Eu conheço, intuitivamente, este modo entrincheirado de viver a vida, é-me muito natural o instinto de diabolização do outro – permanente resquício do bairro – e sei como é fácil e apelativa a segurança do grupo dos que pensam como eu penso. Mas passei anos a fugir disso, a aprender a escutar, a dar lugar, a tentar perceber a argumentária diferente da minha e a vê-la como a melhor maneira de crescer.  

E não me apetece nada recuar. 

20240522

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In a world full of big challenges, in a time like ours, we can’t settle for a heavy and fixed religion. We can’t try to contain the Spirit in a box. We need to experience the mighty rushing wind of Pentecost. We need our hearts to be made incandescent by the Spirit’s fire. We need the living water and new wine Jesus promised, so our hearts can become the home of dovelike peace.

https://cac.org/daily-meditations/a-living-spirituality/

Hoje, no GEP, falava da nossa tremenda falta de confiança no Espírito. Por detrás do nosso pretenso cuidado e preocupação com a fé dos outros está a nossa sede de controlo, de assegurarmos que, se fizermos as coisas bem, só podemos ter bons resultados. Se isto até pode ser assim no campo profissional - e apenas quando corre bem - no campo da fé não acredito que aconteça, de todo, dessa maneira. Se assim fosse, o Espírito estaria dependente da nossa performance. Na realidade, acredito que aconteça exatamente o contrário: a única coisa que podemos fazer é preparar a terra e semear, é dar a conhecer, é testemunhar - com a vida, só com a vida vivida - como é bom viver no e com o Espírito. É Ele quem frutifica a vida daqueles que mondaram a terra com a nossa ajuda - isso sim, é da nossa responsabilidade de educadores cristãos - e estão abertos a acolhê-lo. Temos que perder essa presunção que nos substituímos às pessoas e ao Espírito. Por isso gosto tanto da ideia de sermos andaimes: alguém os vê depois da obra construída?

 

202405221122

Que futuro para a Igreja? Não sei. Sinceramente não sei. Quando escuto este Papa, que é um bom Papa, recusar liminarmente a ordenação das mulheres em nome de coisa nenhuma, não sei. Quando ele, sistematicamente, recorda que não abençoa as uniões homossexuais mas as pessoas, não sei. Quando deixamos de escutar? Quando deixamos de olhar? Quando começamos a enterrar o Amor sob as muralhas que defendem o forte em que ciosamente nos colocamos?

20240521

202405210828

 

Tu, Senhor, estás no meu olhar.

Estás no que descortino, no que desvelo,

no que procuro, no que intuo.

Naquilo de que me apercebo sem nunca perceber

mas que me é tão palpavelmente real

quanto invisível;

tão claro

quanto oculto;

tão meu

quanto nosso;

que me pede apenas

que eu queira ver.

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21 de maio

QUE TIPO DE BOXEADOR É VOCÊ?

 

O que seria o boxeador que sai do ringue por ter levado alguns socos? Na realidade, tu podes abandonar o ringue de boxe sem consequências, mas que vantagem adviria de abandonar a busca da sabedoria? Assim, o que deveria cada um de nós dizer para cada prova que enfrentamos? Foi para isso que treinei, pois essa é a minha disciplina! 

Excerto de

Diário Estoico: 366 Lições Sobre Sabedoria, Perseverança e a Arte de Viver

Ryan Holiday

Há uma certa vantagem em levar pancada. Há até uma certa vantagem em saber de antemão que se vai levar pancada: estamos preparados para sofrer. E conseguimos encaixar o momento da dor na big picture: sabemos que dói mas sabemos também que há de passar.  É o velho "faz parte" que refiro muitas vezes. Ajuda-nos a lidar com o lado menos b da vida e das pessoas. Faz parte. Nada nem ninguém é só bom; nada nem ninguém é só mau. Nem o é permanentemente.

20240510

202405100821

What rises in your body when you think of home? Is home synonymous with love and affection? Is home a place you long to return to?  

For some, home is terror, a place to flee with no desire to return or revisit. This is important to name and acknowledge because too many are aimlessly wandering, feeling insignificant—unseen, unknown. 

Often, when we think of home, we think only of an external place, out there, a fixed place—the place where we live and grow, create fond memories, establish familial bonds; the place we leave when we come of age and where we return when things are hard.  

Love is home.  

Home is both an external dwelling and an internal abode. Home is the place where we belong, our place of acceptance and welcome. There, in this shame and judgment-free embryonic cocoon of love, we practice unconditional acceptance; we learn to relate to ourselves and the world around us.  

And home is a soft place for the body to land, a safe place for the soul to fully disrobe. Home is the place where our failures don’t kill, our sins can’t crush, and even when we are at our worst, we’re safe. Home is a place where we are free to take our deepest, fullest, least encumbered breath.  

At home, there’s no need to guess whether we’re in or out, welcomed or not. Home always prepares a place with us in mind.   

How are you preparing a home of unconditional acceptance for yourself? How do you welcome your body, make room for your mind? In what ways are you engaging your soul with intentionality? How are you reclaiming the safety of home for yourself?  

“Home, is a place we all must find, child. It’s not just a place where you eat or sleep. Home is knowing. Knowing your mind, knowing your heart, knowing your courage. If we know ourselves, we’re always home, anywhere.” 

https://cac.org/daily-meditations/love-is-home/

Nem sempre encontro este lar. Nem sempre procuro este lar. E no entanto sei que este lar me espera. Sempre. Para começar, o meu próprio lar. Aquele que sou para mim, ainda que às vezes consiga ser lar e outras apenas casa. Mas o mais importante é o lar dos meus. Esse é o que verdadeiramente importa, esse é o verdadeiramente seguro, esse é, verdadeiramente, aquele que é refúgio. Muitas vezes de mim mesmo. Muitas vezes, apesar de mim.

20240509

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Conversar. É tão bom! Não se limitar a trocar impressões, a dar opiniões, a dirimir argumentos, mas a conversar mesmo, partilhar sabedorias de vida, daquelas sem preocupações científicas mas que vêm do que se sente, do que se lê a partir do que se sente, do que se transmite a partir do que se sente. Estes momentos são impagáveis. São preciosos na autenticidade, na generosidade, na abertura de coração sem receios ou muros erguidos. E tornam-nos mutuamente preciosos, porque nos conhecemos melhor, porque confiamos melhor, porque a partir desse conhecimento e confiança conseguimos antecipar melhor as dificuldades uns dos outros, e conseguimos, por transbordo, que aqueles para quem trabalhamos sejam um pouco melhores. Trabalhar assim é um privilégio.

20240508

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Um desejo constante

Pe. Richard Rohr, OFM

3 - 4 minutos

 

No prefácio da nova edição de Falling Upward, a investigadora Brené Brown partilha o seu sentimento de saudade espiritual. 

 

A palavra "saudades de casa" evoca muitas vezes imagens de uma tristeza fugaz de uma criança ou o seu anseio temporário por casa e pela família. Na cultura atual, a emoção é muitas vezes descartada ... [como] um sentimento de acampamento, e não uma experiência emocional feroz que é fundamental para a experiência humana e central para a nossa necessidade de um sentido de lugar e de pertença.... Sinto-me atraída a explorar os contornos da saudade de casa para compreender melhor porque é que não consigo livrar-me deste desejo inabalável de um lar que só existe dentro de mim. 

 

Brown partilha o seu desejo regular pela casa da sua própria alma: 

 

As saudades espirituais de casa têm sido uma constante na minha vida. Não era uma experiência quotidiana, mas um desespero previsível e sempre recorrente para encontrar um sentido de sacralidade dentro de mim, não fora de mim: a minha alma, a minha casa, Deus em mim. Era a saudade de um lugar que só existe dentro de mim. 

 

Ao longo dos meus trinta e quarenta anos, ocasionalmente sucumbia a esse anseio, largava tudo e corria o mais depressa que podia para visitar a casa dentro de mim. A porta para o meu lar espiritual interno seria uma experiência simples, um encontro com um lugar fino - talvez sentado no meu carro a ouvir Loretta Lynn cantar "How Great Thou Art", ou uma tarde a nadar com Deus no Lago Travis, ou uma noite a rezar o Exame Diário. Mas depois dessa visita, ia-me embora e voltava ao meu mundo da primeira metade da vida. Eu descreveria esta espiritualidade da primeira metade da vida como o fluxo e refluxo de [palavras gregas] nostos e alga, regresso a casa e dor. 

 

Nos últimos dois anos, descobri que, espiritualmente, tenho mais vezes saudades de casa do que não tenho. As saudades espirituais tornaram-se um sofrimento quase diário. Não se trata de depressão ou exaustão. É um saber desconfortável de que estou a chegar ao fim de uma coisa e ao início de outra. Estou a partir e a chegar. Há medo, mas também há uma alegre antecipação. 

 

Hoje, quando regresso a casa, ao lugar em mim onde Deus habita, já não me interessa fazer uma visita rápida para voltar a correr para o mundo do "que os outros pensam" e do "que posso fazer". Hoje, mal consigo ser arrastada para fora de casa. Sinto-me atraída por conversas diferentes e ligações mais profundas. Quero que este espaço sagrado seja a minha casa, e não um sítio que visito para reforçar a minha "vida real" que está à margem da minha ligação com Deus. Começo a perguntar-me se a minha alga, a minha dor, é alimentada pela minha separação de Deus e do meu Verdadeiro Eu....

 

Deixar a primeira metade da vida é assustador. A maior parte de nós tem a primeira metade da vida bem definida. O que se passa é que nunca, mas mesmo nunca, tenho saudades da primeira metade da minha vida quando me afasto dela.... Talvez eu não tenha saudades da primeira metade da vida porque ela nunca foi o meu verdadeiro lar. 

 

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Eu vivo muitas vezes com saudade. Do futuro, quase sempre. Da possibilidade de ser, de acontecer, de construir, de ser de novo, de refazer. É uma saudade de algo que é inatingível e me faz desligar do que sou e tenho à minha volta. É uma saudade boa no sentido em que me projeta para o futuro, mas é, ao mesmo tempo, uma saudade má na medida em que me desliga da realidade, da minha realidade, sobretudo de quem eu sou na realidade. Hoje, no GEP, falava deste regressar. Não lhe chamava casa, mas meninice. Disse que era tempo de voltarmos a ser meninos. É o regressar ao princípio. É o regressar a casa. É o regressar de Jesus ao Pai. E nós com Ele.

 

 

20240502

202405020900

Todo o evangelho de domingo fala de amar. Não tanto de amor, mas de amar. É muito diferente. Amar implica-me, é ativo, é carne, é dia, é vida vivida, não é apenas uma palavra bonita mas é ação. Á qual se podem juntar palavras ou silêncios, mas tem sempre presença. Que até pode nem ser física, pode estar do outro lado do mundo - na Amazónia, por exemplo - que não perde intensidade, que não ganha racionalidade. Amar não fala a linguagem da possibilidade, mas da inevitabilidade. Eu não consigo deixar de te amar, apesar de, racionalmente, tudo me empurrar em sentido oposto. Amo apesar de mim. Sempre. Das minhas conveniências, do meu interesse, da minha racionalidade. Amo muitas vezes com o incómodo de ter de sair do meu lugar, do meu sofá, do meu conforto, da minha indisponibilidade mental e emocional, porque o abalo é tanto que não importa nada o que eu quero ou o que me é mais conveniente. E quando importa, é sinal que amo mais a mim que a ti, que me ponho no centro do amor, que sou o alvo privilegiado desse amor. E isso não é amar.

202405020800

 

0800 

A esta hora, na Sala dos Professores, o que mais se ouve é “Bom dia”. Para muitos, é mais um ritual daqueles que usamos sem pensar. Para outros, no entanto, é mesmo a formulação de um desejo: que este seja, efetivamente, um bom dia. E logo de seguida tudo fervilha a um ritmo alucinante. Olhos nos computadores, breves conversas para concertar mútuos procedimentos, arranjos de última hora para que apenas falhe o mínimo possível, pedidos e aceitações de propostas de trabalho com as turmas. A Sala dos Professores é um lugar muito interessante, assim como a mesa de uma família. Aqui estamos à vontade, aqui acontecem encontros e desencontros, aqui se dizem coisas que dificilmente serão repetidas fora desta sala pois não são mais que meros desabafos mais ou menos sentidos. E estamos a chegar àquela altura do ano em que o que mais se vê são rostos fechados e o que mais se ouve são grunhidos guturais de quem está focado no que tem que fazer. Está aí a pressão do final do ano, uma pressão quase insuportável que advém da consciência da responsabilidade da construção do futuro dos miúdos que temos diante de nós. Por vezes quase cedo à tentação de me sentar a um canto da Sala dos Professores e olhar. Apenas olhar. E deixar que a admiração por quem se empenha assim na sua profissão me sirva de alento.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...