Por vezes, os meus sonhos assustam. Num outro tempo, que por vezes mais perece uma outra vida, era a mim que os meus sonhos mais assustavam. O espelho apenas me devolvia resignação, o que em tudo contrastava com o imenso que me faltava fazer, com a premente vontade de partir - para desejar voltar? - sobretudo com a omnipresente insaciedade que me impedia o sossego interior. Porque é sobretudo de interior que se trata. E isso por vezes chega a envergonhar-me. Como explicar que ainda sonho? Como tentar fazer perceber este desejo de partir? Como conciliar isso com quem requer a minha presença, total e absoluta, incondicional e ilimitada, ainda que seja por amor? Como justificar esta sede que nunca acaba, a quem vive saciado?
Sinto que passei um longo período de redescoberta. Provavelmente, mais de aceitação até, mas que me conduziu a uma redescoberta. De mim. Aceitação que ainda sonho, para começar. E redescoberta da minha própria insaciedade. E vontade de não me resignar.
Cresci numa família para quem o sonho maior era a lotaria. Ou o totoloto. Ou uma herança qualquer de um qualquer tio velhinho que nem sabíamos que existia mas que nos pudesse salvar de nós próprios e do atoleiro em que vivíamos mergulhados. Convivi desde sempre com rifas e apostas e jogo que apenas servia para apostar cada vez mais alto e perder cada vez mais dinheiro e sonhar com um tio ainda mais rico ou o euromilhões porque já nem o totoloto nos safava. É algo que se cola à pele porque, sem que nos apercebamos disso, os cifrões rapidamente nos roubam o sonho do futuro conquistado à custa de trabalho. E como jogo é sorte e azar, os outros, os que vivem bem, os que conquistaram o presente à custa do trabalho, apenas o conseguiram graças à sua sorte. E ao nosso azar. Quem contacta com os jovens e os adultos do RAIZ percebe claramente isto.
Não foi há muito tempo que me apercebi que a substância dos meus sonhos tinha mudado. Que não sonhava já com tudo o que o dinheiro pode comprar, que já não viajava com os olhos abertos quando caminhava na foz junto daqueles apartamentos à beira mar, que era, simultaneamente, muito mais simples e extraordinariamente complicado aquilo com que sonhava. Simples porque estava ao meu alcance; complicado porque deixava de ter a sorte ou o azar como desculpa. Dependia apenas da minha vontade.
O meu sonho dava-me assim um banho de realidade.
Irónico, não é?
Sim. Ainda sonho, ainda desejo, ainda tenho muito a cumprir.
Só agora (re)comecei ;-)
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