Por vezes tenho alguma dificuldade em entender a dificuldade alheia em viver num clima de interiorização e espiritualidade. Eu, que caminho imenso e que rezo imenso enquanto caminho, tendo a desvalorizar quando oiço as bocas do tipo "pois, tu tens tempo", ou "tu tens sorte" ou então a costumeira "vidinha boa" com que sou frequentemente bombardeado. É que depois vejo-os na conversa, a quantidade de horas desperdiçadas, todos os dias, em ditos que não levam a lado nenhum onde valha a pena estar, e concluo que, na realidade, a maior parte das vezes, como em quase tudo na vida, são escolhas que se fazem, são passos que não se dão, são formas cómodas de se estar, e as bocas fazem parte do esquema.
Mas outras vezes não.
Hoje conversávamos de como as coisas mudam quando estamos focados na eficácia. O nosso paradigma é outro, é o da rentabilidade do tempo, da sua poupança e, sem que nos apercebamos, as nossas conversas, os nossos gestos e atitudes passam a obedecer a esse paradigma. Nessas alturas, mesmo que caminhemos, mesmo que não estejamos à secretária diante do computador, a nossa cabeça está lá, não se consegue libertar e tudo é trabalho e anda à volta dele. E isto é extraordinariamente fácil de acontecer, bastando a inércia para sermos arrastados pela corrente, e até sermos invadidos pela sensação de culpa quando não o conseguimos fazer completamente.
E depois acordo. De repente. Estremunhado. Quase sempre sem me conseguir recordar exatamente do que estava a pensar, como se tivesse estado envolvido num sonho. E regressa o sabor das manhãs, o som do mar, a serenidade da oração, a tranquilidade das caminhadas matinais. E, com tudo isso, eu.
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