Levei muitos anos, travei muitas inglórias batalhas contra imaginários moínhos, para perceber a minha forma de ser inteiro. Pensava eu que para ser inteiro deveria ser granítico, monobloco, sem rachadelas ou quebras, um pedaço que, pelo menos à vista desarmada, se apresentasse perfeito, incólume, sem falhas. E cada falha era tida por mim como um atentado a essa pretensão, como um desastre, como algo que deveria ser removido, o que normalmente significava ter que ser escondido do olhar, meu e dos outros. Tarde, mais ainda muito a tempo, o Meus fizeram-me perceber a minha idiotice. Que todos viam as minhas falhas, sabiam delas, e que, embora não gostassem particularmente delas, disseram que me amavam com elas, apesar delas, já que essas falhas são também o que eu sou.
O curioso é que eu sempre gostei mais do antigo que do moderno. Sempre gostei das casas que apresentam marcas de uso, falhas e fendas, que interpreto sempre como marcas de vida. Gosto imenso das páginas amarelecidas dos livros antigos, dobradas, sarrabiscadas, patentes do espanto, da curiosidade e dos ensinamentos que proporcionaram a alguém antes de mim. Aprecio jarras e pratos daqueles do campo, que se põem na parede e onde a água é ainda mais fresca. O novo e o perfeito, portanto, para mim nunca ganharam aos efeitos do tempo, à história, ao uso que as coisas e a vida devem ter. Tal como diz o Padre Almiro, "mais vale uma vida gasta que uma vida enferrujada". E tudo isto sempre foi mais importante para mim. Exceto quando eu era o alvo da minha atenção.
Agora vou lidando um pouco melhor com as minhas falhas. Já não as escondo, já as assumo perante os outros, já percebo que nem todos gostam e têm direito a não gostar sem por em causa o seu e o meu direito a ser. É uma aprendizagem, claro. Até porque é um caminho. Que só agora comecei a percorrer.
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